NOÇÕES DE CRIMINOLOGIA.
NOÇÕES DE CRIMINOLOGIA
Conceito, métodos, objetos e finalidade da Criminologia
A origem da palavra Criminologia, hibridismo greco-latino, tem a sua criação atribuída a
Raffaele Garofalo (Itália, 1851-1934), que com ela intitulou sua principal obra. Consta, porém, que tal
vocábulo já tinha sido empregado anteriormente na França, por Topinard (1830-1911).
Este vocábulo, a princípio reservado ao estudo do crime, ascendeu à ciência geral da
criminalidade, antes denominada Sociologia Criminal ou Antropologia Criminal.
A criminologia é uma ciência social, filiada à Sociologia, e não uma ciência social
independente, desorientada. Em relação ao seu objeto — a criminalidade — a criminologia é ciência
geral porque cuida dela de um modo geral. Em relação a sua posição, a Criminologia é uma ciência
particular, porque, no seio da Sociologia e sob sua égide, trata, particularmente, da criminalidade.
A criminologia é a ciência que estuda:
1 - As causas e as concausas da criminalidade e da periculosidade preparatória da criminalidade;
2 - As manifestações e os efeitos da criminalidade e da periculosidade preparatória da criminalidade e,
3 - A política a opor, assistencialmente, à etiologia da criminalidade e da periculosidade preparatória da
criminalidade, suas manifestações e seus efeitos.
Conceito de Criminologia: A Criminologia é um conjunto de conhecimentos que estudam o fenômeno
e as causas da criminalidade, a personalidade do delinqüente e sua conduta delituosa e a maneira de
ressocializá-lo. É a definição de Sutherland. Ciência que como todas as que abordam algum aspecto
da criminalidade deve tratar do delito, do delinqüente e da pena. Segundo a Unesco, a criminologia se
divide em geral (sociológica) e clínica.
Na concepção de Newton Fernandes e Valter Fernandes, criminologia é o "tratado do Crime".
A interdisciplinaridade da criminologia é histórica, bastando, para demonstrar isso, dizer que
seus fundadores foram um médico (Cesare Lombroso), um jurista sociólogo (Enrico Ferri) e um
magistrado (Raffaele Garofalo).
Assim, além de outras, sempre continuam existindo as três correntes: a clínica, a sociológica
e a jurídica, que, ao nosso ver, antes de buscarem soluções isoladas, devem caminhar unidas e interrelacionadas.
A criminologia radical busca esclarecer a relação crime/formação econõmico-social, tendo
como conceitos fundamentais relações de produção e as questões de poder econômico e político. Já a
criminologia da reação social é definida como uma atividade intelectual que estuda os processos de
criação das normas penais e das normas sociais que estão relacionados com o comportamento
desviante.
O campo de interesse da criminologia organizacional compreende os fenômenos de
formação de leis, o da infração às mesmas e os da reação às violações das leis. A criminologia
clínica destina-se ao estudo dos casos particulares com o fim de estabelecer diagnósticos e
prognósticos de tratamento, numa identificação entre a delinqüência e a doença. Aliás, a própria
denominação já nos dá idéia de relação médico-paciente.
O objeto da moderna criminologia é o crime, suas circunstâncias, seu autor, sua vítima e o
controle social. Deverá ela orientar a política criminal na prevenção especial e direta dos crimes
socialmente relevantes, na intervenção relativa às suas manifestações e aos seus efeitos graves para
determinados indivíduos e famílias. Deverá orientar também a Política social na prevenção geral e
indireta das ações e omissões que, embora não previstas como crimes, merecem a reprovação
máxima.
Quando nasceu, a criminologia tratava de explicar a origem da delinqüência utilizando o
método das ciências, o esquema causal e explicativo, ou seja, buscava a causa do efeito produzido.
Pensou-se que erradicando a causa se eliminaria o efeito, como se fosse suficiente fechar as
maternidades para o controle da natalidade.
Academicamente a criminologia começa com a publicação da obra de Cesare Lombroso
chamada de L"Uomo Delinqüente, em 1876. Sua tese principal era a do delinqüente nato.
Já existiram várias tendências causais na criminologia. Baseado em Rousseau, a criminologia
deveria procurar a causa do delito na sociedade, baseado em Lombroso, para erradicar o delito
deveríamos encontrar a eventual causa no próprio delinqüente e não no meio. Um extremo que
procura as causas de toda a criminalidade na sociedade e o outro, organicista, investiga o arquétipo do
criminoso nato (um delinqüente com determinados traços morfológicos). Isoladamente, tanto as
tendências sociológicas quanto às orgânicas fracassaram. Hoje em dia fala-se no elemento bio-psicosocial.
Volta a tomar força os estudos de endocrinologia que associam a agressividade do delinqüente
à testosterona (hormônio masculino), os estudos de genética ao tentar identificar no genoma humano
um possível "gene da criminalidade", juntamente com os transtornos da violência urbana, de guerra,
da forme, etc.
De qualquer forma, a criminologia transita pelas teorias que buscam analisar o crime, a
criminalidade, o criminoso e a vítima. Passa pela sociologia, pela psicopatologia, psicologia,
religião, antropologia, política, enfim, a criminologia habita o universo da ação humana.
A CRIMINOLOGIA E O COMPORTAMENTO HUMANO
Um dos aspectos da Criminologia são os distúrbios da personalidade. Dentre os mais
freqüentes desses distúrbios, podemos citar as neuroses, as psicoses, as personalidades psicopáticas
e os transtornos da sexualidade ou parafilias. Neuroses são estados mentais da pessoa humana, que
a conduzem à ansiedade, a distúrbios emocionais como: medo, raiva, rancor, sentimentos de culpa.
Pode-se afirmar que as neuroses são afecções muito difundidas, sem base anatõmica conhecida e
que, apesar de intimamente ligadas à vida psíquica do paciente, não lhe alteram a personalidade como
as psicoses, e conseqüentemente se acompanham de consciência penosa e freqüentemente
excessiva do estado mórbido (MARANHÃO, 2004, p. 356). Nessa perspectiva, de acordo com Newton
e Valter Fernandes (2002, p. 213), podemos citar as neuroses obsessivas, caracterizadas pela
constante de obsessões, fobias e tiques obsessivos, cujas formas de projeção alinham-se á
cleptomania, à piromania, ao impulso ao suicídio e ao homicídio.
O termo psicose surgiu para enfatizar as afecções mentais mais graves. As psicoses são
conjuntos de doenças caracterizadas por distúrbios emocionais do indivíduo e sua relação com a
realidade social, com o convívio em sociedade. Citamos, dentre outras, a paranóica, a maníacodepressiva
e a carcerária.
Segundo Genival França (1998, p. 357), "as psicoses paranóicas são transtornos mentais
marcados por concepções delirantes permitindo manifestações de autofilia e egocentrismo,
conservando-se claros pensamento, vontade e ações". Os paranóicos fantasiam, e nos seus delírios
relacionam o seu bem-estar ou a dor com as pessoas que lhes rodeiam, atribuindo a estas a causa de
seu estado. Temos por exemplo, a paranóia do ciúme, a de perseguição, a erótica. Seriam paranóicos
os assassinos de Abraham Lincon, Gandhi, John Lennon e o que atentou contra a vida do Papa João
Paulo II (FERNANDES, 2002, p. 221).
A psicose maníaco-depressiva, hoje estudada como transtorno bipolar do comportamento, é
marcada por crises de excitação psicomotora e estado depressivo. A fase maníaca é caracterizada por
hiperatividade motora e psíquica, com agitação e exaltação da afetividade e do humor. O maníaco não
permanece quieto, é eufórico. A melancólica ou depressiva caracteriza-se pela inibição ou diminuição
das funções psíquicas e motoras. O indivíduo apresenta um quadro marcado pela tristeza,
pessimismo, sentimento de culpa. As tentativas de suicídio são freqüentes nesta fase melancólica
(GENIVAL, 1998, p. 356).
A psicose carcerária é decorrente da privação da liberdade do indivíduo submetido a
estabelecimentos carcerários que não dispõem, em sua grande maioria, de condições adequadas de
espaço, iluminação e alimentação. A pessoa acometida deste mal manifesta a "síndrome crepuscular
de Ganser", apresentando sintomas com as seguintes características: estranhas alterações da conduta
motora e verbal do indivíduo que, quando interrogado, encerra-se em impenetrável mutismo ou passa
a exibir para respostas ("respostas ao lado"), como se estivera acometido de um estado deficitário
orgânico, não raro acompanhado de sintomas depressivos ou catatônicos (FERNANDES, 2002, p.
225).
A personalidade psicopática é caracterizada por uma distorção do caráter do indivíduo. Os
indivíduos acometidos por tal personalidade geralmente apresentam o seguinte quadro característico:
são inteligentes, amorais, inconstantes, insinceros; faltam-lhes vergonha e remorso; são egocêntricos,
inclinados à condutas mórbidas. Citamos como tipos, dentre outros: os explosivos ou epileptóides, os
perversos ou amorais, os fanáticos e os mitomaníacos.
Os explosivos ou epileptóides são indivíduos que manifestam em seu comportamento a
habitualidade de um estado colérico, raivoso, agressivo, tanto verbalmente como fisicamente.
Os perversos ou amorais são maldosos, cruéis, destrutivos. Tais características revelam-se
precocemente em crianças, nas tendências à preguiça, inércia, indocilidade, impulsividade,
indiferença, propensos à criminalidade infanto-juvenil. Na fase adulta, o indivíduo possui grau elevado
de inteligência, podendo ser observadas mentiras, calúnias, delações, furtos, roubos. Encontram-se no
rol dos amorais os incendiários, os vândalos, os "vampiros" e os envenenadores (FERNANDES, 2002,
p. 209)
Os fanáticos tendem a um ânimo constante de euforismo, extrema exaltação daquilo que
desejam. Lutam por seus ideais de forma impulsiva, sem limites, sem controle. São capazes de
praticar qualquer ato delinqüente na busca incessante por seus objetivos.
Os mitomaníacos, por sua vez, são acometidos de um desequilíbrio da inteligência no tocante
à realidade. São propensos à mentira, à simulação, à fantasia. Conseguem distorcer, de forma quase
convincente, a realidade dos fatos, podendo chegar a extremos de delírios e devaneios.
O estudo da sexualidade anõmala ou transtornos da sexualidade interessa à medicina legal,
são distúrbios caracterizados por degeneração psíquica ou por fatores orgânicos glandulares. Citamos
como exemplo o sadismo, o masoquismo, a pedofilia, o vampirismo e a necrofilia. O sadismo, também
chamado algolagnia ativa, é transtorno sexual em que o indivíduo inflige sofrimentos físicos à parceira
para obter o prazer sexual. O termo tem origem no nome do Marquês de Sade (1740), que acometido
do mal, o relatou em seus romances Justina e Julieta. O marquês sentia prazer em cortar as carnes de
suas parceiras e em tratar as chagas das prostitutas (GOMES, 2004, p. 471).
Já o masoquismo é algolagnia passiva, isto é, o indivíduo só consegue sentir prazer sexual ao
sofrer, ao ser humilhado. Jean Jacques Rousseau, filósofo francês que viveu nos idos anos de 1712 a
1778, bastante conhecido por sua obra Do Contrato Social(onde trabalha a formação e
desenvolvimento da sociedade civil e do próprio Estado), em um de seus livros publicados após sua
morte, Confissões, revela ser acometido deste transtorno da sexualidade: "Ajoelhar-se aos pés de uma
amante imperiosa, obedecer às suas ordens, pedir perdão de faltas que cometera eram para mim
gozos divinos" (GOMES, 2004, p. 471).
A pedofilia é parafilia caracterizada pela atração por parceiros sexuais crianças ou
adolescentes. O vampirismo é a aberração venérea na qual a gratificação é alcançada com o
degenerado sugando obsessivamente o sangue de seu parceiro sexual (CROCE; CROCE JÚNIOR,
2004, p. 681).
A necrofilia, por sua vez, trata-se de transtorno caracterizado por prática de relações sexuais
com cadáver. "Alguns necrófilos chegam a violar covas, retirar corpos em decomposição para
satisfazerem seu instinto" (GOMES, 2004, p. 474).
CONCLUSÕES
Muitos outros são os distúrbios e doenças mentais que acometem a pessoa humana e a levam
à prática de atos ilícitos contra seu semelhante, ademais, como Voltaire nos lembra em seu Tratado de
Metafísica, muito pouco sabemos sobre o ser humano e sua mente, objetos constantes do
conhecimento filosófico, jurídico e científico. Muitos mistérios ainda a desvendar. Como dizia Voltaire,
poucas pessoas se preocupam em ter uma noção do que seja o homem. A única idéia que os
camponeses de uma parte da Europa têm da nossa espécie é a de um animal de dois pés, de pele
trigueira, articulando algumas palavras, cultivando a terra, pagando, sem saber por que, tributos a um
outro animal a que chama rei, vendendo suas colheitas tão caro quanto puder, reunindo-se com outros
em certos dias do ano para entoar preces numa língua incompreensível. Um rei sempre encara toda a
espécie humana como seres feitos para obedecer-lhe e aos seus semelhantes (VOLTAIRE, 1978, p.
61).
História natural do delito
O delito se define por ele mesmo, sempre a partir de uma teoria, e a melhor teoria é aquela
que se aproxima da realidade histórico-social do objeto questionado. Teoria e prática se implicam de
uma tal forma no campo jurídico-penal que até não mais se concebe a menor tentativa de enfoque
parcelado, à guisa de análise. E o todo que carece de ser analisado, para que não se perca de vista
aquele momento crítico de intercomunicação recíproca de fatores e elementos, em perpétua
dinamicidade unitária e auto-transformadora. Os fatos sociais, com sua enorme carga valorativa,
participam do delito como o sol participa do movimento dos planetas. A propósito, elimine-se o sol da
vida dos planetas e se verá que não serão apenas estes que sentirão os efeitos do repentino
cataclisma gravitacional das esferas celestes inseridas na Via Láctea.
O delito não existe sem o fato social que lhe regula ciberneticamente o rumo a ser alcançado,
por via de alterações de sentido geradoras de novas formas e matizes. Deve ser definido por seu
conteúdo, nos limites de sua própria efemeridade factual e contraditória, ao invés de ser aprisionado
pelo método esquizofrênico de certas filosofias ontológicas ou essencialistas.
O delito e suas circunstãncias, historicamente condicionadas, não se amoldam a figurinos
estanques desenhados por uma natureza intrínseca, como se nascessem de um mesmo e único ovo,
idêntico a si próprio. Os milhões de anos de vida sobre a terra atestam exatamente o contrário. Não se
há de construir o presente com dispensa dos materiais que lhe, servem de sustentáculo.
Sem a empiricidade dos fatos, potenciais ou consumados, não vale nenhuma teoria, se
procura uma verdade ontológica. Fora dos fatos qualquer teoria tem valor, pois se alimenta de si
mesma, de seu próprio enunciado unilateral. É dolo o que for como tal predeterminado. É culpa o que
se encaixa no conceito inventado de culpa.
Qualquer estudo sobre delitos ou transgressões sociais não pode prescindir do homem. Por
sua natureza, o delito induz a uma regulação da coletividade, e, por conseguinte, é uma ação, um
fenômeno social. Se o delito faz parte da natureza social do homem, então podemos aceitar o que
disse Mariano Funes em "Actualidad de la Venganza" (Buenos Aires, 1943:41):
"(...). El delito es un fenómeno de normalidad social, em cuanto producto de la humana
convivencia; y de anormalidad de la conducta, en cuanto la conducta criminal es inferior em su
expresión numérica y en su frecuencia a los otros actos externos de las conductas normales"
O crime, por incrível que pareça, não é necessariamente nocivo para o sistema social, o que
faz Durkheim apontar a funcionalidade do crime. O referido filósofo promoveu a despatologização do
crime e assinalou o funcionalismo do crime e da pena. (...)
O crime é indispensável à evolução normal da moral e do direito. É fator de saúde pública. É
fundamental o legado de Durkheim para se entender o crime, o criminoso e o castigo nas sociedades
contemporâneas. Sua teoria sistêmica veio contrariar o determinismo positivo lombrosiano dominante
à sua época. E, profetiza: Não há sociedade sem crime."
Delito é a representação dos conflitos sociais mais agudos, por agredir sentimentos como a
moral e ética social.
Nada é bom indefinidamente e sem medida. Para a própria evolução da autoridade é
imprescindível que não seja excessiva, seja portanto, contestada. Muitas vezes, com efeito, o crime
não é senão uma antecipação da moral por vir um encaminhamento ao direito que será".
Se o delito, as transgressões e os crimes são fenômenos sociais, então são históricos.
Portanto, obedecem as estruturas dialéticas da sociedade em que eles se dão. Pode-se argumentar
que alguns crimes não são históricos, como o assassinato e o roubo; ocorrem em todas as
sociedades, independentes do sistema sócio-produtivo. Mesmo assim, nem todos os assassinatos e
roubos são considerados como transgressões; o colonialismo é um exemplo – hoje atende sob a
alcunha de "globalização". O conceito de crime não é imutável, absoluto, sendo mesmo relativo e por
isso é que tem sido discutido e não inaceitáveis as definições absolutas de crime.
Sociologicamente, crime é a infração de um costume ou de uma lei, contra a qual reage a
sociedade, aplicando uma pena ao infrator" e "antropologicamente, crime é qualquer afronta a uma
crença dominante como, por exemplo, crime com o desrespeito ao totem" ou crença religiosa ou
política.
Premissa do Crime
Ora, a premissa do crime é o fato social. Não é a tipicidade, nem a injuricidade, nem a
culpabilidade.
O crime já existia, na face da terra, antes que essas expressões fossem inventadas. Povos
cultos e civilizados, mesmo nos dias de hoje, conseguem fabricar seus delitos sem que seus mais
eminentes dogmatas sequer conheçam o significado nuclear dessas mágicas palavras do moderno
direito penal. Nem mesmo nós, no Brasil, eméritos copistas, nos últimos decênios, das elucubrações
fantasiosas de divertidos penalistas alemães (com qual deles estaremos, nos próximos anos?),
chegamos a nos entender no assunto, o que não é de causar espanto. As palavras, afinal, significam o
que se espera que elas signifiquem, seja para quem fala, seja para quem escuta.
Ninguém escapa à tentação (para evitar-se o termo incompetência) de acrescentar seu
condimento preferido, na retransmissão da receita. Um condimento que se pretende coincidente com a
norma legislada ou com os princípios avançados de justiça e eqüidade.
A premissa do crime é o fato social porque é este que sintetiza a tipicidade, a antijuridicidade e
a culpabilidade, sem que a recíproca se mostre verdadeira. É o fato social que controla e catalisa a
punibilidade, marca registrada do crime ou delito. Fato social, ou seja: atitude, comportamento ou
realidade intrinsecamente cativos ou persuasivos na vida de relação dos indivíduos.
Como fenômeno jurídico (ou antijurídico, pouco importa), depende o crime, para subsistir, da
resistência que lhe opõe a ordem social estabelecida. Matar índios é crime entre os índios, mormente
se pertencem à mesma tribo.
Matar índios é serviço à comunidade no período de implantação e expansão de colônias
européias no Novo Mundo. Haveria seqüestro, entre nós, na confinação forçada de dissidente político
em hospital psiquiátrico?
Verdades tão banais se relegam todavia a segundo plano, nos compêndios de direito penal, ou
se reputam reservadas à pesquisa histórico-sociológica. Descobre-se que ao penalista cabe penetrar
na estrutura ou essência jurídica do crime, auxiliado, ou não, pelo legislador.
É assim que figuras como o estado de necessidade, legítima defesa, exercício de direito e
cumprimento do dever ganham ares de autonomia ontológica perante os fatos do homem, os mesmos
fatos que lhes fornecem, nada obstante, a mais concreta e tangível juridicidade ocasional. No arranhacéu
dos dogmatas até o vazio das paredes se transforma em estrutura. E como ele é invisível, resiste
com altivez camaleonesca às mais disparatadas transformações da sociedade e do indivíduo, desde
tempos imemoriais.
O Direito Penal trabalha com três conceitos de delito: material, formal e analítico.
O conceito material está vinculado ao ato que possui danosidade social ou que provoque
lesão a um bem jurídico.
O conceito formal está ligado ao fato de existir uma lei penal que descreva determinado ato
como infração criminal
Já o conceito analítico expõe os elementos estruturais e aspectos essenciais do conceito de
crime.
Perguntando a um penalista sobre o conceito analítico de delito, ele irá responder (pelo menos
a grande maioria) que o crime é um ato típico, ilícito e culpável. Outros responderão que o crime é um
fato típico e ilícito. E agora, também, retornando ao conceito de que o crime é um fato típico, ilícito,
culpável e punível, haverá respostas apontando esses quatros elementos essenciais.
Esses conceitos são fundamentais para que a hermenêutica possa ser utilizada. Assim, é
possível ao intérprete da norma aplicar a norma abstrata ao caso concreto com a segurança que tais
situações exigem.
Na verdade, os conceitos formal e material não traduzem com precisão que seja crime. Se há
uma lei penal editada pelo Estado, proibindo determinada conduta, e o agente a viola, se ausente
qualquer cláusula de exclusão da ilicitude ou dirimente da culpabilidade, haverá crime. Já o conceito
material sobreleva a importância do princípio da intervenção mínima quando aduz que somente haverá
crime quando a conduta do agente atenta contra os bens mais importantes. Contudo, mesmo sendo
importante e necessário o bem para a manutenção e subsistência da sociedade, se não houver uma lei
penal protegendo-o, por mais relevante que seja, não haverá crime se o agente vier a atacá-lo, em
face do princípio da legalidade.
Mas esses conceitos são rasos. Eles não traduzem a profundidade do fenõmeno criminal. Isso
fica visível na diferença que existe na aplicação da lei penal pela Justiça Criminal togada e pelo
Tribunal do Júri. O crime é muitas vezes visto de forma distanciada, sem emoção, comparando-se com
jurisprudências e mais jurisprudências; no Tribunal do Júri é tudo insólito, a emoção nos julgamentos
está presente, os jurados em seu íntimo se colocam no banco dos réus e se perguntam se teriam feito
a mesma coisa. Antes de acusação e defesa discursarem sobre legítima defesa e inexigibilidade de
conduta diversa, o jurado já fez, pelo menos por algumas vezes, a operação mental de ter se colocado
no lugar do réu, com as condições pessoais do mesmo e na hora dos fatos. Antes da descrição
abstrata do crime (utilizado pelo Direito Penal), o jurado quer perscrutar os fatores que levaram à
ocorrência daquele homicídio. O Tribunal do Júri é pura Criminologial.Ali estão presentes delito,
delinquente, vítima e o controle social.
A Criminologia moderna não mais se assenta no dogma de que convivemos em uma
sociedade consensual. Pelo contrário, vivemos em uma sociedade conflitiva. Não basta afirmar que
crime é o conceito legal. Isso não explica tudo e não ajuda em quase nada na percepção da origem do
crime. O crime é muito complexo, ele pode ter origens das mais diversas como o excessivo desnível
social de uma localidade, defeitos hormonais no corpo de uma pessoa, problemas de ordem psíquica
como traumas, fobias e transtornos de toda ordem emocional etc.
A Criminologia moderna busca se antecipar aos fatos que precedem o conceito jurídico-penal
de delito. O Direito Penal só age após a execução (ex.: tentativa) ou na consumação do crime. A
Criminologia quer mais. Ela quer entender a dinâmica do crime e intervir nesse processo com o intuito
de dissuadir o agente de praticar o crime, o que pode ocorrer das mais variadas formas. Mas para que
isso seja feito, a Criminologia teve que desenvolver outros conceitos para o delito. Conceitos estes
mais próximos e íntimos da realidade que o fenómeno criminal apresenta.
Diversos conceitos foram surgindo no desenvolvimento da Criminologia. Já foram tratados aqui
os três conceitos utilizados pelo Direito Penal, os quais são obrigatórios pontos de partida da
Criminologia, mas não esgotam o problema.
Molina (MOLINA, Gomes, 2002, p. 66) leciona que Garofalo chegou a criar a figura do delito
natural, ou seja, para ele, delito seria: "uma lesão daquela parte do sentido moral, que consiste nos
sentimentos altruístas fundamentais (piedade e probidade) segundo o padrão médio em que se
encontram as raças humanas superiores, cuja medida é necessária para a adaptação do indivíduo à
sociedade", outros autores, no entanto, realçam a nocividade social da conduta ou a periculosidade do
seu autor.
A sociologia criminal já utiliza outro parâmetro, bastante em voga na atualidade: o de conduta
desviada ou desvio. Esse critério utiliza como paradigma as expectativas da sociedade. As condutas
desviadas são aquelas que infringem o padrão de comportamento esperado pela população num
determinado momento. E um conceito que não se confunde com o de crime, mas que o abrange.
Anthony Giddens ensina que podemos definir o desvio como o que não está em conformidade
com determinado conjunto de normas aceitas por um número significativo de pessoas de uma
comunidade ou sociedade. Como já foi enfatizado, nenhuma sociedade pode ser dividida de um modo
linear entre os que se desviam das normas e aqueles que estão em conformidade com elas. A maior
parte das pessoas transgride, em certas ocasiões, regras de comportamento geralmente aceitas.
Quase toda a gente, por exemplo, já cometeu em determinada altura atos menores de furto, como
levar alguma coisa de uma loja sem pagar ou apropriar-se de pequenos objetos do emprego - como
papel de correspondência - e dar-lhes uso privado. A dada altura de nossas vidas, podemos ter
excedido o limite de velocidade, feito chamadas telefônicas de brincadeira (trote), ou fumado marijuana
(maconha).
Desvio e crime não são sinônimos, embora muitas vezes se sobreponham. O âmbito do
conceito de desvio é mais vasto do que o conceito de crime, que se refere apenas à conduta
inconformista que viola uma lei. Muitas formas de comportamento desviante não são sancionadas pela
lei. Sendo assim, os estudos sobre desvio podem examinar fenômenos tão diversos como os
naturalistas (nudistas), a cultura "rave" ou os viajantes "new age". O conceito de desvio pode aplicar-se
tanto ao comportamento do indivíduo, como às atividades dos grupos.
O conceito de desvio tem íntima relação com a política de controle da criminalidade conhecida
como tolerância zero. O controle da criminalidade naquele modelo começa na repressão de condutas
desviadas.
O delinqüente
O delito foi o objeto principal de estudo da Escola Clássica criminal. Foi com o surgimento da
Escola Positiva que houve um giro de estudo, abandonando-se a centralização na figura do crime e
passando o núcleo das pesquisas para a pessoa do delinqüente.
A Escola Positiva surgiu no contexto de um acelerado desenvolvimento das ciências sociais
(Antropologia, Psiquiatria, Psicologia, Sociologia, Estatística etc.). Esse fato determinou de forma
significativa uma nova orientação nos estudos criminológicos. Ao abstrato individualismo da Escola
Clássica, a Escola Positiva opôs a necessidade de defender mais enfaticamente o corpo social contra
a ação do delinqüente, priorizando os interesses sociais em relação aos indivíduos.
Na atualidade, os modelos biológicos de explicação da criminalidade perderam quase que
totalmente a sua força.
Todavia, não foram totalmente eliminados, dentro de suas limitações também podem contribuir
para a compreensão do fenômeno criminal.
Na moderna Criminologia, o estudo do homem deliqüente passou a um segundo plano, como
conseqüência do giro sociológico experimentado por ela e da necessária superação dos enfoques
individualistas em atenção aos objetivos político-criminais. O centro de interesse das investigações -
ainda que não tenha abandonado a pessoa do infrator - deslocou-se prioritariamente para a conduta
delitiva, para a vítima e para o controle social. Em todo caso, o delinqüente é examinado, "em suas
interdependências sociais"" como unidade biopsicossocial e não de uma perspectiva
biopsicopatológica como sucedera com tantas obras clássicas orientadas pelo espírito individualista e
correcionalista da Criminologia tradicional.
No entanto, também não há dúvida de que a Psicologia Criminal, com toda sua técnica de
investigação, possa contribuir sensivelmente para a Criminologia com seus estudos, individuais ou
coletivos, do delinqüente.
A Psicologia Criminal destina-se a estudar a personalidade do criminoso. A personalidade
refere-se, usualmente, aos processos estáveis e relativamente coesos de comportamento,
pensamento, reação e experiência, que são característicos de uma determinada pessoa. Por
intermédio dessas características poderemos compreender e até prever grande parte do
comportamento do indivíduo. O estudo da personalidade das pessoas em conflito com a lei (e aqui
podemos incluir as crianças e adolescentes) pode contribuir efetivamente para se entender o
fenômeno criminal.
Uma das maiores contribuições criminológicas que a Psicologia pode dar nesse sentido é
ajudar na criação de programas que auxiliem a redução da reincidência criminal, campo que ainda não
foi explorado totalmente.
As escolas penais
Todas as legislações sustentam o poder e autoridade do Estado para orientar, controlar e punir
os seres humanos, com a finalidade de regular a vida social harmoniosamente. Por conseguinte, a
historicidade da sociedade humana tem sua imagem nas regulamentações jurídicas. Desta forma
tendem a se adequar aos projetos político-sociais de cada sociedade, nação ou Estado.
Longe da uniformidade, o pensamento jurídico-penal orienta-se por filosofias jurídicas
chamadas de Escolas Penais. Mesmo a aceitação da denominação de Escola Penal não é
hegemônica. "Não obstante, a denominação se impôs e foi incorporada ao estudo do direito criminal"
(Heitor Júnior; Op. cit.: 37).
Assim, Mestieri conceitua Escola Penal como: "(...) o elenco de soluções típicas do problema
penal abrangendo-o em todos os seus aspectos principais, quais sejam: o delinqüente, a
responsabilidade penal, o crime e a pena" (apud; Heitor Júnior; op. cit. :37).
Dos movimentos que se propuseram encaminhar soluções características aos problemas
penais, tentando explicar o crime, a pena, o homem delinqüente, sua responsabilidade, temos as
Escolas: Clássica, Positiva, Intermediária (Eclética) e Nova Defesa Social. Renato Marcão (2002), nos
dá um bom resumo das principais Escolas:
Escola Clássica: Também chamada idealista, filosófico-jurídica, crítico-forense etc., que é livrearbitrista,
invidualista e liberal, considerando o crime fenômeno jurídico e a pena, meio retributivo. Os
clássicos são contratualistas e racionalistas; foram, via de regra, jusnaturalistas, aceitando, o
predomínio de normas absolutas e eternas sobre as leis positivas.
Para a Escola Clássica, a pena é um mal imposto ao indivíduo que merece um castigo em
vista de uma falta considerada crime, que voluntária ou conscientemente, cometeu.
Escola Positiva: É determinista e defensivista, encarando o crime como fenômeno social e a pena
como meio de defesa da sociedade e de recuperação do indivíduo. Chama-se positiva, não porque
aceite o sistema filosófico mais ou menos "comteano", porém, pelo método.
Para a Escola Positiva, o crime é um fenômeno natural e social, e a pena meio de defesa
social. Enquanto os clássicos aceitam a responsabilidade moral, para os positivistas todo homem é
responsável, porque vive e enquanto vive em sociedade (responsabilidade legal ou social).
Escola Intermediária: Em meio aos extremos bem definidos das Escolas Clássica e Positiva,
surgiram ao longo dos tempos posições conciliatórias. Embora acolhendo o princípio da
responsabilidade moral, não aceitam que a responsabilidade moral fundamente-se no livre arbítrio,
substituindo-o pelo "determinismo psicológico". Desta forma, a sociedade não tem o direito de punir,
mas somente o de defender-se nos limites do justo.
Escola da Nova Defesa Social: Depois da II Guerra Mundial, reagindo ao sistema unicamente
retributivo, surge a Escola do Neodefensivismo Social. Segundo seus postulados não visa punir a
culpa do agente criminoso, apenas proteger a sociedade das ações delituosas. Essa concepção
rechaça a idéia de um direito penal repressivo, que deve ser substituído por sistemas preventivos e por
intervenções educativas e reeducativas, postulando não uma pena para cada delito, mas uma medida
para cada pessoa.
Damásio E. de Jesus ensina que na Defesa Social, a pena tem três finalidades:
1) "Não é exclusivamente de natureza retributiva, visando também a tutelar os membros da
sociedade";
2) "É imposta para a ressocialização do criminoso";
3) "A máquina judiciária criminal deve ter em mira o homem, no sentido de que a execução da pena
tenha um conteúdo humano".
Finalidade das penas
A partir da publicidade do Direito Penal, no qual o Estado detém o monopólio da aplicação das
sanções, e também, da não uniformidade do pensamento jurídico penal, a aplicação das medidas
disciplinadoras adquire o caráter filosófico-utilitário da Escola Penal que tanto o legislador quanto o
sentenciador estão concertados. Entretanto, dificilmente o legislador e o sentenciador estão em
harmonia entre si no tocante à finalidade da pena. Tentarei mostrar mais adiante esta terrível
contradição no Estatuto da Criança e do Adolescente, e como o Serviço Social vira "marisco" nesta
"briga do rochedo com o mar".
No momento vamos ver os "instrumentais" jurídico-filosóficos do direito de punir. Assim, temos
as teorias Retributiva, Relativa e as Mistas ou Sincréticas.
A Teoria Retributiva: Parte do princípio autoritário de que a pena é sempre merecida pelo
infrator. A sanção penal é essencialmente retributiva porque opera causando um mal ao transgressor.
Destina-se à reposição do status quo ante através da reposição, indenização ou da restituição.
Na lição de Cezar Roberto Bitencourt, "A pena tem como fim fazer Justiça, nada mais. A culpa
do autor deve ser compensada com a imposição de um mal, que é a pena, e o fundamento da sanção
estatal está no questionável livre arbítrio, entendido como a capacidade de decisão do homem para
distinguir entre o justo e o injusto".
Destarte, na teoria retributiva a "pena encontra seu fundamento somente em sua referência ao
delito; segundo sua gravidade determina-se sua quantia como que se satisfazem as exigências do
ordenamento jurídico e a Justiça. Assim como a boa ação merece reconhecimento, a má ação requer
reprovação e compensação".
As Teorias Relativas: Baseiam a pena por seus efeitos preventivos. Distinguem dois tipos de
prevenção: a geral, e a especial.
A geral é a intimidação, ameaça com sanções os prováveis infratores. Dispõe-se a intimidar
todos os membros da comunidade jurídica pela ameaça da pena.
A especial atua diretamente sobre o autor da violação penal, para que não volte a delinqüir,
tentando corrigir os que são possíveis de ressocialização e isolar os irrecuperáveis. Dirige-se
exclusivamente ao delinqüente, para que este não volte a delinqüir.
As Teorias Mistas ou Sincréticas: Mesclam as retributivas e as relativas, afirmando de que a
pena é retribuição, sem olvidar dos fins preventivos (buscam reunir em um conceito único os fins da
pena).
A doutrina unificadora defende que a retribuição e a prevenção, geral e especial, são distintos
aspectos de um mesmo fenômeno, que é a pena.
Em resumo, as teorias mistas ou sincréticas acolhem a retribuição e o princípio da
culpabilidade como critérios limitadores da intervenção da pena.
Fatores condicionantes: biológicos, psicológicos e sociais Introdução
Parte das reflexões e das pesquisas sobre aquilo que hoje designamos de comportamentos
desviantes, delinquentes ou criminosos, consoante as perspectivas teóricas, tem-se traduzido numa
única e simples questão: por que motivo, ou motivos, alguns indivíduos parecem mais predispostos
que outros ao cometimento de delitos?
As respostas têm variado consoante as épocas históricas e o manancial de conhecimentos
teóricos e empíricos disponível. Num primeiro momento, os comportamentos delinquentes foram
explicados através do recurso a fatores externos aos homens mas, de alguma forma inexplicáveis,
uma vez que foram remetidos para as causas sobrenaturais subjacentes a todo o tipo de eventos e de
comportamentos. Os comportamentos delinquentes, e as suas causas e as suas relações, eram
simplesmente atribuídos à ação de deuses ou outros poderes sobrenaturais.
Num segundo momento, os comportamentos delinquentes passaram a ser explicados através
do recurso a fatores internos ou, melhor dizendo, a qualidades intrínsecas a alguns indivíduos, mesmo
que relativamente abstratas, como a maldade, a imoralidade, o egoísmo ou a desonestidade. Embora
ainda persistissem explicações de natureza externa, essencialmente sobrenaturais, a percepção de
que alguns seres humanos transportavam em si uma incapacidade para se conformar às exigências
das sociedades modernas, intrinsecamente justas e racionais, começou a tornar-se preponderante.
Num terceiro momento, já dominado por paradigmas científicos ou «positivos», os
comportamentos delinquentes passaram a ser explicados através do recurso a características
biológicas, psicológicas ou sociais específicas e passíveis de serem facilmente observadas e
medidas.
Ao longo deste percurso, apenas um pressuposto se manteve inalterado. Quem se envolve em
delitos é, necessariamente, diferente, e só essa diferença, seja ela biológica, psicológica ou social,
permite explicar, e eventualmente prever e prevenir, os comportamentos delinquentes. Este
pressuposto marcou todas as reflexões teóricas que foram desenvolvidas até quase ao final do século
XX.
No campo da biologia, por exemplo, a diferença foi remetida para atavismos que se
manifestavam, quer a um nível intelectual, quer a um nível físico. Até pelo menos ao final da segunda
grande guerra mundial, os atavismos foram concebidos como sendo hereditários, concepção que
legitimou, entre outras práticas «preventivas», o isolamento dos «criminosos» ou a sua esterilização
forçada, por forma a que não se pudessem reproduzir, e, no limite, a sua eliminação física.
No campo da psicologia, a diferença foi remetida, quase invariavelmente, para a questão da
personalidade e dos seus diferentes traços, o que sustentou toda uma série de estudos e de
programas de tratamento e de adaptação forçada da personalidade, imatura, impulsiva ou agressiva,
do delinquente, às características e às exigências da vida em sociedade.
A própria sociologia não escapou a este pressuposto. Os delinquentes foram quase sempre
conceptualizados como sendo diferentes, mesmo que essa diferença se situasse nas diferentes
tensões ou pressões sociais exercidas sobre alguns grupos sociais, e tal motivou todo um conjunto de
programas de redução dessas tensões ou pressões como principal estratégia de prevenção de
comportamentos delinquentes.
O grande marco a inaugurar verdadeiramente os estudos criminológicos encontra-se no
surgimento do Positivismo e, mais especificamente, da chamada "Antropologia Criminal". Nessa
ocasião opera-se uma mudança singular no que diz respeito ao objeto das preocupações da ciência
criminal. Enquanto a Escola Clássica Liberal preocupava-se com o estudo dos postulados jurídico –
penais, procurando desenvolver uma formulação teórico — dogmática do Direito Penal, o advento da
Antropologia Criminal propicia uma alteração de perspectiva, voltando os olhos da pesquisa científico
— criminal para o estudo do fenômeno do crime e, especialmente, da figura do criminoso.
O Positivismo exerce grande influência na conformação dessa nova postura, pois que defende
a irradiação do método científico para todas as áreas do saber humano, até mesmo às da filosofia e da
religião. Nesse contexto, o Direito e especificamente o ramo jurídico — criminal, também passaram a
sofrer influências importantíssimas desse referencial teórico então dominante.
O Positivismo Jurídico aproxima o Direito, o quanto possível, ao método das ciências naturais,
objetivando limitá-lo àquilo que tenha de concreto, observável, passível de mensuração e descrição.
Por isso é que seu resultado acaba sendo a limitação do Direito às normas legais, evitando a
consideração de fatores axiológicos, metafísicos etc.
O afastamento rigoroso das questões que não fossem subsumiveis ao método de
experimentação científico, ensejou, no bojo das ciências criminais, o nascimento da busca de relações
e regras constantes que tivessem a capacidade de esclarecer o fenômeno da criminalidade.
A Criminologia exsurge dessa efervescência, desse entusiasmo pelo método científico, dando
destaque nunca dantes constatado ao estudo do homem criminoso e à pesquisa das causas da
delinqüência.
Em meio a esse clima, a criminalidade somente poderia ser estudada com sustentação em
dados empíricos ofertados pela demonstração experimental de leis naturais seguras e imutáveis.
O criminoso passa a ser objeto de estudo, uma fonte de pesquisas e experimentos com vistas
à descoberta científica das causas do fenômeno criminal.
A obstinada busca de causas explicativas do agir criminoso em oposição às condutas
conforme a lei, somente poderia resultar na negação do "livre arbítrio", apontado até então pela Escola
Clássica como verdadeiro fundamento legitimador da responsabilidade criminal.
É claro que a noção de livre arbítrio não poderia servir a uma concepção positivista, pois que
ensejava um total descontrole e imprevisibilidade quanto às práticas criminosas. A postura positivista
não se coaduna com tal insegurança. Deseja apropriar-se de um conhecimento que propicie o domínio
seguro de leis constantes a regerem o mundo e, por que não, o comportamento humano, inclusive
aquele desviado.
A conseqüência imediata foi a consideração do criminoso como um "anormal". A partir daí,
bastaria dotar o pesquisador de instrumentos hábeis a selecionar, de forma científica, os criminosos
(anormais), em meio à população humana aparentemente homogênea ou normal.
O primeiro grande passo dado por um pesquisador nesse sentido foi a doutrina preconizada
por Cesare Lombroso, destacando-se a publicação de sua conhecida obra "O homem Delinqüente",
em 1876.
Lombroso entendia ser possível detectar no criminoso uma espécie diferente de "homo
sapiens", o qual apresentaria determinados sinais, denominados "stigmata", de natureza física e
psíquica. Esses sinais caracterizariam o chamado "criminoso nato" (forma da calota craniana e da
face, dimensões do crânio, maxilar inferior procidente, sobrancelhas fartas, molares muito salientes,
orelhas grandes e deformadas, corpo assimétrico, grande envergadura dos braços, mãos e pés, pouca
sensibilidade à dor, crueldade, leviandade, tendência à superstição, precocidade sexual etc.). Todos
esses sinais indicariam um "regresso atávico", tendo em conta sua clara aproximação com as formas
humanas primitivas. Ademais, Lombroso intentou demonstrar uma ligação entre a epilepsia e aquilo
que chamava de "insanidade moral".
Percebe-se claramente o conteúdo determinista das teorias lombrosianas, o qual conduziria a
importantes conclusões e conseqüências para a Política Criminal.
Ora, se o criminoso estava exposto à conduta desviada forçosamente, tendo em vista uma
congênita predisposição, seria injusto atribuir-lhe qualquer reprovação que fosse ligada ao desvalor de
suas escolhas quanto à sua conduta, isso pelo simples motivo de que não atuava por sua livre
escolha, mas sim dirigido por forças naturais irresistíveis a impeli-lo para os mais diversos atos
criminosos. Assim sendo, jamais poderia ser exposto a apenações morais e infamantes. Não obstante,
sendo as práticas criminosas componentes indissociáveis de sua personalidade, estaria a sociedade
legitimada a defender-se, impondo-lhe desde a prisão perpétua até a pena de morte.
A doutrina lombrosiana, no entanto, foi grandemente criticada e desmentida por estudos
ulteriores que comprovaram a inexistência de indícios seguros a demonstrarem qualquer diferença
fisiológica, física ou psíquica entre homens que perpetraram atos criminosos e indivíduos cumpridores
da lei.
Não obstante, deve ser atribuído a Lombroso o mérito de ser o primeiro a impulsionar os
estudos que dariam origem à Criminologia. Ele iniciou, com a sua Antropologia Criminal, os estudos do
homem delinqüente, razão pela qual tem sido considerado o verdadeiro "Pai da Criminologia". A partir
dele começam os mais diversos campos de pesquisa de elementos endógenos capazes de
ocasionarem o comportamento criminoso.
Inúmeras investigações científicas nos mais variados campos das ciências naturais e
biológicas lograram conformar um conjunto de teorias elucidativas do fenômeno criminal. A esse
conjunto costuma-se denominar "Criminologia Clínica".
Pode-se exemplificar essa corrente criminológica com alguns de seus ramos mais destacados:
Biologia Criminal, Criminologia Genética, Psiquiatria Criminal, Psicologia Criminal, Endocrinologia
Criminal, Estudos das Toxicomanias etc.
Todas essas linhas de pesquisa têm como traço comum a busca de uma explicação etiológica
endógena do crime e do homem criminoso. Procura-se apontar uma causa da conduta criminosa que
estaria no próprio homem, enquanto alguma forma de anormalidade física e/ou psíquica. Também
todas essas teorias apresentam um equívoco comum: pretendem explicar isoladamente o complexo
fenômeno da criminalidade.
Em contraposição à "Criminologia Clínica", surge a denominada "Criminologia Sociológica",
tendo como seu mais destacado representante Enrico Ferri. A "Criminologia Sociológica" propõe uma
revisão crítica da "Criminologia Clínica", pondo a descoberto que a insistência desta nas causas
endógenas da criminalidade, olvidava as importantes influências ambientais ou exógenas para a
gênese do crime. Aliás, para os defensores da "Criminologia Sociológica", as causas preponderantes
da criminalidade seriam mesmo ambientais ou exógenas, de forma que mais relevante do que perquirir
as características do homem criminoso, seria identificar o meio criminógeno em que ele se encontra.
No entanto, a "Criminologia Sociológica" em nada inova no que tange à postura de procurar
uma etiologia do delito. Os criminólogos ainda insistem em encontrar "causas" para o crime, somente
alterando a natureza destas, transplantando-as do criminoso para o ambiente criminógeno. Em suma,
muda o "locus" da pesquisa, mas não muda a natureza claramente etiológica desta.
Os estudos relativos à atuação do ambiente na criminalidade são variegados, podendo-se
mencionar alguns ramos a título meramente exemplificativo: Geografia Criminal e Meio Natural,
Metereologia Criminal, Higiene e Nutrição, Sistema Econômico, Mal vivência, Ambiente familiar,
Profissão, Guerra, Migração e Imigração, Prisão e contágio moral, Meios de Comunicação etc.
Ainda no matiz sociológico deve-se dar atenção especial às chamadas "Teorias Estrutural-
Funcionalistas", as quais podem ser tratadas como item apartado, tendo em vista suas
peculiaridades.
As Teorias Estrutural-Funcionalistas afirmam que o crime é produzido pela própria estrutura
social, inclusive exercendo uma certa função no interior do sistema, de maneira que não deve ser visto
como uma anomalia ou moléstia social.
A base teórica principal é ofertada por Emile Durkheim que dá ênfase para a normalidade do
crime em toda e qualquer sociedade. Aduz o autor em referência que "o crime é normal porque uma
sociedade isenta dele é completamente impossível". Mas, o autor vai além, chegando a reconhecer
que o crime não somente é normal, mas também "é necessário" para a coesão social, sendo uma
sociedade sem crimes indicadora, esta sim, de deterioração social. Durkheim indica o fenômeno
criminal como reafirmador da ordem social violada e, portanto, legitimador de sua existência. Toda vez
que acontece um crime, a reação desencadeada contra ele reafirma os liames sociais e ratifica a
validade e a vigência das normas legais.
Portanto, o desvio é funcional, somente tornando-se perigoso ao exceder certos limites
toleráveis. Em tais circunstâncias pode eclodir um estado de desorganização e anarquia, no qual todo
o ordenamento normativo perde sua efetividade. Não emergindo disso um novo ordenamento a
substituir aquele que ruiu, passa-se a uma situação de carência absoluta de normas ou regras, ficando
a conduta humana à margem de qualquer orientação. A isso Durkheim dá o nome de "anomia", efetiva
causadora de desagregação e deterioração social.
O conceito de "anomia" e o reconhecimento da funcionalidade do crime no meio social
produzem uma revolução quanto às finalidades e fundamentos da pena, vez que estes já não devem
mais ser buscados na fantasiosa profilaxia de um suposto mal. Outra formulação teórica relevante de
matiz estrutural-funcionalista deve-se a Robert Merton. Ele se apropria do conceito de "anomia" para
demonstrar que o desvio não passa de um produto da própria estrutura social. Portanto,
absolutamente normal, considerando que esta própria estrutura é que vem a compelir o indivíduo à
conduta desviante. Merton expõe detalhadamente o mecanismo estrutural que conduz o indivíduo ao
crime no seio social: a sociedade apresenta-lhe metas, mas não lhe disponibiliza os meios necessários
para o seu alcance legal. O indivíduo perde suas referências, sentindo-se abandonado sem
possibilidades "normais" de conseguir seus objetivos. Sem os meios legais, mas pressionado para a
conquista de certos objetivos sociais, o indivíduo precisa preencher esse vácuo (anomia) de alguma
maneira. E a única maneira disponível será a perseguição dos fins colimados por meios ilegítimos,
ilegais e desviantes, uma vez que os legítimos não estão acessíveis.
De acordo com Merton: "a desproporção entre os fins culturalmente reconhecidos como
válidos e os meios legítimos à disposição do indivíduo para alcançá-los, está na origem dos
comportamentos desviantes". E mais: "a cultura coloca, pois, aos membros dos estratos inferiores,
exigências inconciliáveis entre si. Por um lado, aqueles são solicitados a orientar a sua conduta para a
perspectiva de um alto bem — estar; por outro, as possibilidades de fazê-lo, com meios institucionais
legítimos, lhes são, em ampla medida, negados".
Outro referencial importante é a denominada "Teoria da Associação Diferencial", produzida
por Edwin H. Sutherland. Segundo essa construção teórica, a criminalidade, a exemplo de qualquer
outro modelo de comportamento humano, é aprendida conforme as convivências específicas às quais
o sujeito se expõe em seu ambiente social e profissional.
Essa linha de pensamento possibilitou a formulação da conhecida "Teoria das Subculturas
Criminais", para a qual o sujeito aprenderia o crime de acordo com sua convivência em certos
ambientes, assumindo as características de determinados grupos aos quais estaria preso por uma
aproximação voluntária, ocasional ou coercitiva.
Afirma Sutherland que o processo de "associação diferencial" propicia ao sujeito, de
conformidade com seu convívio, aprender e apreender as condutas desviantes respectivas. Dessa
forma, tal teoria teria a vantagem de poder explicar a criminalidade das classes baixas tanto quanto a
das classes altas. Nesse processo de convívio — aprendizado os infratores menos privilegiados
praticariam usualmente os mesmos crimes, vez que estariam conectados ao convívio de pessoas de
seu nível social e só teriam oportunidade de aprender essas determinadas espécies de condutas
delitivas, não sendo-lhes possibilitado o acesso a conhecimentos e condicionamentos que os
tornassem aptos a outras condutas mais sofisticadas. De outra banda, os mais abastados teriam
acesso ao aprendizado de outras modalidades criminosas ligadas naturalmente ao seu meio social.
Em razão disso também dificilmente incidiriam nas condutas afetas às classes mais baixas.
Há certo ponto de contato entre a teoria de Merton e a de Sutherland, pois que a modalidade
de conduta atribuída aos indivíduos das classes pobres e abastadas apresentaria uma distribuição em
conformidade com os meios dispostos aos sujeitos para desenvolverem seus impulsos criminosos. No
entanto, a formulação de Sutherland tem a pretensão de ser mais ampla, fornecendo uma fórmula
geral apta a explicar a criminalidade dos pobres e das classes altas. Para o autor sob comento,
qualquer conduta desviante seria "apreendida em associação direta ou indireta com os que já
praticaram um comportamento criminoso e aqueles que aprendem esse comportamento criminoso não
têm contatos freqüentes ou estreitos com o comportamento conforme a lei". Dessa forma, uma pessoa
torna-se ou não criminosa de acordo "com o grau relativo de freqüência e intensidade de suas relações
com os dois tipos de comportamento" (legal e ilegal). Isso é o que se denomina propriamente de
"associação diferencial".
Essa maior abrangência da teoria preconizada por Sutherland a teria tornado mais completa do
que aquela defendida por Merton. Segundo a maioria dos críticos, as explicações de Merton seriam
bastante satisfatórias para a criminalidade dos pobres, mas não serviriam para esclarecer por que
pessoas dotadas de todos os meios institucionais e legais para a consecução de seus objetivos
sociais, mesmo assim, perpetrariam ações delituosas. Portanto, não é sem motivo que o termo "crime
de colarinho branco" ou "white collar crime" foi cunhado e empregado originalmente por Edwin H.
Sutherland, em data de 28.11.1939, durante uma conferência que se passou na sede da "American
Sociological Society", com a finalidade de fazer referência a uma espécie de criminalidade praticada
por pessoas de nível social elevado, e em especial na sua atuação profissional.
Como derradeira representante da linha de pensamento estrutural — funcionalista pode-se
mencionar a chamada "Teoria das Técnicas de Neutralização", cujos principais expoentes foram
Gresham M. Sykes e David Matza. Trata-se de uma "correção da Teoria das Subculturas Criminais",
mediante a complementação implementada pelo acréscimo dos estudos das "técnicas de
neutralização". Estas seriam maneiras de promover a racionalização da conduta marginal, as quais
seriam apreendidas e usadas lado a lado com os modelos de comportamento e valores desviantes, de
forma a neutralizar a atuação eficaz dos valores e regras sociais, aos quais o delinqüente, de uma
forma ou de outra, adere.
Na verdade, mesmo aquele indivíduo que vive mergulhado em uma subcultura criminal não
perde totalmente o contato com a cultura oficial e, de alguma forma, sobre a influência e presta
reconhecimento a algumas de suas regras. E desta constatação que partem Sykes e Matza para
lograrem expor os mecanismos usados pelas pessoas para justificarem perante si mesmas e os
demais, suas condutas desviantes, infringentes das normas oficiais impostas pela sociedade.
São descritas algumas espécies básicas de "técnicas de neutralização":
a) Exclusão da própria responsabilidade — o infrator se enxerga como vítima das contingências,
surgindo muito mais como sujeito passivo quanto ao seu encaminhamento para o agir criminoso.
b) Negação da ilicitude — o criminoso interpreta suas atuações apenas como proibidas, mas não
criminosas, imorais ou destrutivas, procurando redefini-las com eufemismos.
c) Negação da vitimização — a vítima da ação delituosa é apontada como merecedora do mal ou do
prejuízo que lhe foi impingido.
d) Condenação dos que condenam — atribuem-se qualidades negativas às instãncias oficiais
responsáveis pela repressão criminal.
e) Apelo às instancias superiores — sobrevalorização conferida a pequenos grupos marginais a que
o desviado pertence, aderindo às suas normas e valores alternativos, em prejuízo das regras sociais
normais.
Note-se que a mais destacável "técnica de neutralização" é a própria criação de uma
subcultura. Esta é a maior ensejadora de abrandamentos de consciência e defesas contra remorsos,
na medida em que o apoio e aprovação por parte de outras pessoas integrantes do grupo, ocasionam
uma tranqüilização e um sentimento de integração que não se poderia obter no seio da sociedade
calcada nas normas e valores oficiais.
Inobstante os avanços obtidos com as "Teorias Estrutural — Funcionalistas", uma alteração
verdadeiramente radical do modelo de pesquisa do fenômeno criminal somente adviria com o
surgimento da chamada "Criminologia Crítica". É com ela que se leva a efeito o abandono da mais
constante premissa da Criminologia Tradicional, qual seja, aquela de ser o crime uma realidade
ontologicamente reificada. A partir das idéias trazidas à tona pela revisão criminológica crítica, o crime
passa a ser visto como uma realidade meramente normativa, moldada pelo Sistema Social
responsável pela edição, vigência e aplicação das leis penais.
Por reflexo disso o criminoso deixa de ser encarado como um "anormal" e o crime como
manifestação "patológica".
A explicação para a criminalidade é agora procurada no desvelar da atuação do Sistema Penal
que a define e reage contra ela, iniciando pelas normas abstratamente previstas, até chegar à efetiva
atuação das agências oficiais de repressão e prevenção que aplicam as leis. Vislumbra-se que a
indicação de alguém como criminoso é dependente da ação ou omissão das agências estatais
responsáveis pelo controle social. Percebe-se que muitos indivíduos praticantes de atos desviantes
não são tratados como criminosos, até que sejam alcançados pela atuação das referidas agências, as
quais são pautadas por uma conduta e exercem um papel altamente seletivo. Ser ou não ser criminoso
é algo que não está ligado à presença ou não de alguma doença ou anormalidade, mas sim ao fato de
haver ou não o indivíduo sido retido pelas malhas das agências seletivas que agem baseadas em
orientações normativas e sociais.
Propõem as Teorias da Criminologia Radical o abandono do velho modelo etiológico, visando
erigir uma inovadora abordagem crítica do Sistema Penal, inclusive propiciando um sério
questionamento de sua legitimidade.
A Criminologia Crítica é caracterizada por certo matiz marxista, pois parte da idéia de que o
Sistema Punitivo é construído e funciona com apoio em uma ideologia da sociedade de classes. Dessa
forma, seu principal objetivo longe estaria da defesa social ou da preocupação com a criação ou
manutenção de condições para um convívio harmônico entre as pessoas. O verdadeiro fim oculto de
todo Sistema Penal seria a sustentação dos interesses das classes dominantes. Qualquer instrumento
repressivo de controle social revelaria a atuação opressiva de umas classes sobre as outras. Por isso
seria o Direito Penal elitista e seletivo, recaindo pesadamente sobre os pobres e raramente atuando
contra os integrantes das classes dominantes, os quais, aliás, seriam aqueles que redigem as leis e as
aplicam. O Direito é visto como absolutamente despido de qualquer finalidade de transformação social.
Ao contrário, é encarado como um instrumento de manutenção e reforço do "status quo" social,
conservando e alimentando desigualdades pelo exercício de um poder de dominação e força.
Impõe-se uma conscientização da gigantesca diferença de intensidade da atuação do Direito
Penal sobre setores desvalidos da sociedade, enquanto apresenta-se bastante leniente e omisso
perante condutas gravíssimas ligadas às classes dominantes.
É nesse contexto que emerge a "Teoria do Labeling Approach" ou "Teoria da Reação Social".
Enquanto o pensamento criminológico até então vigente advogava a tese de que o atributo criminal de
uma conduta existia objetivamente, como um ente natural e até era preexistente às normas penais que
o definiam num mero exercício de reconhecimento, o qual, aliás, consistia em um certo acordo
universal, um consenso social; a "Teoria do Labeling Approach" virá para desmistificar todas essas
equivocadas convicções.
O "Labeling Approach" ou "etiquetamento" indica que um fato só é tomado como criminoso
após a aquisição desse "status" através da criação de uma lei que seleciona certos comportamentos
como irregulares, de acordo com os interesses sociais. Em seguida, a atribuição a alguém da pecha de
criminoso depende novamente da atuação seletiva das agências estatais.
Passa a ser objeto de estudo da Criminologia a descoberta dos mecanismos sociais
responsáveis pela definição dos desvios e dos desviantes; os efeitos dessa definição e os atores que
interagem nessas complexas relações. Deixa-se de lado a ilusão do crime como entidade natural préjurídica
e do criminoso como portador de anomalias físicas ou psíquicas.
Essa nova linha de reflexões produz uma derrocada no mito do Sistema Penal como
recuperador dos desviados. Contrariamente, entende-se que a atuação rotuladora do Sistema Penal
exerce forte pressão para a permanência do indivíduo no papel social (marginal e marginalizado) que
lhe é atribuído. O sujeito estigmatizado ao invés de se recuperar, ganharia um reforço de sua
identidade desviante. Na realidade, o Sistema Penal assim concebido passa a ser entendido como um
criador e reprodutor da violência e da criminalidade.
Finalmente cabe expor sumariamente a relação entre a “Sociologia do Conflito” e a “Nova
Criminologia".
Como já visto, a Nova Criminologia põe em cheque a idéia de que as normas de convívio
social derivam de certo consenso em torno de valores e objetivos comuns.
Aí está o ponto de contato com a "Sociologia do Conflito", que apregoa ser uma tal concepção
uma mera ficção erigida com a finalidade de legitimar a ordem social. Na realidade, essa ordem social
seria produto não de consenso, mas do conflito de interesses de grupos antagônicos, prevalecendo a
vontade daqueles que lograram exercer maior dominação.
Com o esboço desse quadro evolutivo da ciência criminológica, é possível determinar dois
principais momentos de mudanças conceituais e epistemológicas: o primeiro deles refere-se à
transição do Direito Penal Clássico para o nascimento da Criminologia, sob a égide do Positivismo,
com as inaugurais pesquisas lombrosianas de Antropologia Criminal. Somente aí é que o homem
criminoso adquire importância central nos estudos, que não mais se reduzem às dogmáticas jurídicas.
O segundo momento relevante foi o da mudança radical do referencial teórico da Criminologia,
propiciado pela emergência da chamada "Criminologia Crítica". Nessa oportunidade abandona-se o
modelo de pesquisa etiológico – profilático, mediante um consistente questionamento de um longo
"processo de medicalização do crime". O fenômeno criminal passa a ser perquirido como criação da
própria organização social e não mais como um ente pré – existente, passível de compreensão e
apreensão pela aplicação isolada do método das ciências naturais.
A virada epistemológica propiciada pela "Criminologia Crítica" não desmerece o conjunto dos
estudos anteriores e nem representa um ponto final para a pesquisa criminológica. Tão somente faz
perceber que são possíveis explicações parciais para o fenômeno criminal, mas jamais tal questão
pode ser devidamente desvendada de forma simplista e reducionista. A criminalidade e a violência em
geral são problemas complexos que somente permitem uma visão ponderada através de um conjunto
de saberes e métodos de investigação, os quais, isolados, produzem noções fantasiosas e
distorcidas. Não é por outro motivo que atualmente se fala numa "Criminologia Integrada".
Neste item procedeu-se a uma retomada dessa evolução dos estudos criminológicos já
anteriormente levada a efeito em outro trabalho com um objetivo bastante definido: pretendeu-se
expor o mais clara e pormenorizadamente possível como se chegou à ponderada e racional
conclusão de que o "crime" em si não existe na natureza, tratando-se do resultado de normas
humanas convencionadas. O criminoso, portanto, é somente todo aquele que infringe tais normas e
não o portador de anomalias. As pesquisas etiológico-profiláticas, que são o original impulso da
Criminologia, são impregnadas de um determinismo irreal porque baseadas em uma noção ilusória do
crime como ente natural pré-jurídico, que o Direito Penal somente faz reconhecer e declarar, quando,
na verdade, o crime é uma criação do Direito, podendo inclusive modificar-se ao longo do tempo e das
mudanças sociais.
Ainda que certos eventos criminais possam ser validamente explicados por meio de uma
abordagem etiológica (o homicídio perpetrado por um esquizofrênico que acredita estar esfaqueando
um monstro), deve-se ter em mente que se trata de um critério válido somente de forma eventual e
parcial. Além disso, mesmo sua validade eventual em nada atinge a conclusão inarredável de que o
crime é uma criação normativa, um filho do Direito e das convenções e não um rebento da natureza.
O retorno a uma noção equivocada a este respeito, devido a qualquer espécie de descoberta
científica e novas possibilidades de intervenção, constitui um enorme retrocesso do pensamento
criminológico com riscos de terríveis conseqüências sociais e individuais.
CONDICIONANTES BIOLÓGICOS
É habitual a questão do crime envolver uma série de reflexões e comentários que ultrapassam
em muito o ato delituoso em si; são questões que resvalam na ética, na moral, na psicologia e na
psiquiatria simultaneamente. Sempre há alguém atribuindo ao criminoso traços e características
psicopatológicas ou sociológicas: porque Fulano cometeu esse crime? Estaria perturbado
psiquicamente? Estaria encurralado socialmente? Seria essa a única alternativa? Ou, ao contrário,
seria ele simplesmente uma pessoa maldosa? Portadora de um caráter delituoso, etc.
Atualmente, apesar da ciência não ter ainda algum consenso definitivo sobre a questão, sabese,
no mínimo, que qualquer abordagem isolada do ser humano corre enorme risco de errar.
Fatores bioquímicos
Os estudos neste grupo causal procuram dosar algumas substância possivelmente envolvida
com o comportamento violento, como por exemplo, o colesterol, a glicose, hormônios e alguns
neurotransmissores.
Virkkunen, em 1987, procurou demonstrar a diminuição nos níveis séricos de colesterol em
pessoas com comportamento criminoso, da mesma forma como também se associava os baixos níveis
de glicose.
Como o álcool é freqüentemente relacionado com o comportamento violento, foi também
estudada a sua associação com glicose e colesterol. Fisiologicamente se demonstra que, de fato, o
álcool diminui o açúcar na corrente sanguínea por inibição da produção de glucose hepática. Deste
modo, o álcool ao fazer diminuir a quantidade de açúcar no sangue pode ser apontado como um fator
facilitador do crime.
Quanto ao colesterol a situação é mais curiosa ainda. Virkkunen mostrou que a relação entre
o colesterol e o álcool pode ter até uma finalidade discriminante. Ele conseguiu isolar dois grupos de
pessoas envolvidas com o alcoolismo; um grupo representado por pessoas que ficam agressivas
quando bebem e outro, por pessoas que bebem mas não ficam agressivos. Os primeiros mostraram
menor nível de colesterol do que os segundos. e, estes, menor nível ainda do que os sujeitos não
delinqüentes, verificando-se que a maior violência aparece associada a menor quantidade de
colesterol.
No que diz respeito ao nível neuroendócrino, a hormônio mais relacionado á agressividade é a
testosterona. A pesquisa verifica os níveis desse hormônio tomando por base três comparações;
entre criminosos, entre criminosos e não criminosos (grupo controle) e entre não criminosos
relacionando-se com a agressividade e não agressividade.
Nas investigações entre pessoas não criminosas os resultados são muito variáveis e até
contraditórios, concluindo-se por vezes que não há correlações entre testosterona e potencial para
agressividade (Rubin, 1987). Entre criminosos e não criminosos (Olweus, 1987; Rubin, 1987;
Schalling, 1987) os resultados são mais consistentes, mas nem sempre são significativos. Alguns
desses resultados mostram criminosos apresentando maior nível de testosterona do que os não
criminosos.
Sobre as influências neuroquímicas no comportamento agressivo, algumas das substâncias
mais estudadas (Rubin, 1987; Magnusson, 1988; Bader, 1994) são a serotonina, que existiria em
menor quantidade, o ácido fenilacético e a norepinefrina, que existiriam em maior quantidade nos
criminosos.
Esses estudos procuram estabelecer uma correlação entre alterações bioquímicas capazes de
desencadear comportamentos criminosos, bem como as associações entre tais alterações, ingestão
de álcool e criminalidade.
Fatores neurológicos
Esses estudos (Buikhuisen, 1987; Hare & Connolly, 1987; Nachshon & Denno, 1987; Pincus,
1993) associam desordens do comportamento com eventuais alterações cerebrais, essencialmente no
hemisfério esquerdo.
Os estudos parecem apontar na identificação das disfunções neuropsicológicas relacionadas
ao comportamento violento estar presente no lobo frontal e nos lobos temporais. O Lobo Frontal se
relaciona à regulação e inibição de comportamentos, a formação de planos e intenções, e a verificação
do comportamento complexo, suas alterações teriam como conseqüência dificuldades de atenção,
concentração e motivação, aumento da impulsividade e da desinibição, perda do autocontrole,
dificuldades em reconhecer a culpa, desinibição sexual, dificuldade de avaliação das conseqüências
das ações praticadas, aumento do comportamento agressivo e aumento da sensibilidade ao álcool
(sintomas positivamente correlacionados com o comportamento criminoso), bem como incapacidade
de aprendizagem com a experiência (sintoma correlacionado positivamente com a alta incidência de
recidivas entre alguns tipos de criminosos).
Os Lobos Temporais regulam a vida emocional, sentimentos, instintos, comandam as
respostas viscerais às alterações ambientais. Alterações nesses lobos resultam em inúmeras
conseqüências comportamentais, das quais se destacam a dificuldade de experimentar algumas
emoções, tais como o medo e outras emoções negativas e, conseqüentemente, uma incapacidade em
desenvolver sentimentos de medo das sanções, postura esta freqüente em criminosos. Esses estudos
procuram associar o crime com alterações cerebrais especificas. (Cristina Queirós, A importância das
abordagens biológicas no estudo do crime)
Fatores psicofisiológicos
O enfoque psicofisiológico se baseia essencialmente na avaliação da função cerebral
(fisiopatologia), como por exemplo a Atividade Elétrica da Pele, o Eletroencefalograma e o
Eletrocardiograma, trabalhando sobretudo em contexto laboratorial. Falta, no momento, uma
metanálise de outros tipos de investigação da função cerebral, como por exemplo, os estudos com
PET e SPECT .
Os estudos demonstraram que, tanto a ativação tônica (reação global do sujeito na ausência
de estimulação específica) quanto a ativação fásica (reação a estimulação específica), é menor nos
criminosos. Também apresentam, os criminosos, uma média menor do ritmo cardíaco, menor nível de
condutância da pele e maior tempo de resposta na atividade elétrica da pele, bem como registros
eletroencefalográficos com maior incidência de anormalidades (Fowles, 1980; Hemming, 1981;
Satterfield, 1987; Volavka, 1987; Hodgins & Grunau, 1988; Milstein, 1988; Venables, 1988; Buikhuisen,
Eurelings-Bontekoe & Host, 1989; Patrick, Cuthbert & Lang, 1994).
Alguns estudos trabalharam também com crianças e adolescentes (Magnusson, 1988), e
demonstraram que as crianças com comportamentos considerados desviantes apresentam maior
ativação do sistema nervoso. No entanto estudos longitudinais (Raine, Venables & Williams, 1990 e
1995) demonstraram que adolescentes com comportamentos anti-sociais e que posteriormente vieram
a cometer crimes apresentavam significativamente menor ativação cardiovascular e eletrodérmica, do
que os que não cometeram crimes.
Conclusão
Através da apresentação das quatro categorias citadas é possível constatar que foram
realizados diferentes estudos. Apesar das metodologias utilizadas e dos resultados serem por vezes
questionados, a maior parte dos trabalhos podem ser considerados científicos e metodologicamente
corretos, demonstrando que de fato, podem existir fatores biológicos implicados no crime, sejam
estes identificados como genes, hormônios, neurotransmissores, etc.
Constata-se também que, apesar de alguns estudos não referirem apenas as variáveis
biológicas, mas também as variáveis psicológicas e contextuais, a divulgação dos seus dados é
efetuada segundo uma lógica reducionista e determinista, tentando estabelecer uma causalidade linear
entre fatores biológicos e o crime e, contribuindo deste modo para a rejeição das abordagens
biológicas no estudo do crime.
Funcionando de acordo com esta perspectiva linear, se um sujeito cometeu um crime porque
as suas características biológicas assim o determinam, e se estas são fáceis de identificar (ex.: medir a
quantidade de glicose, colesterol, EEG, etc), porque não prevenir o crime em pessoas, digamos, "de
risco". Avançando um pouco mais, porque não efetuar terapias genéticas no embrião para os sujeitos
que apresentam a este nível alterações identificadas como características do criminoso?
Perante estas questões levanta-se uma outra, que é do arbítrio individual, anulando esta
liberdade através da certeza do comportamento ser desse jeito porque é determinado unicamente por
fatores biológicos. Essas questões são de primordial importância na Psiquiatria Forense porque
dizem respeito à imputabilidade, culpabilidade e responsabilidade. De qualquer forma, parece que a
idéia da biologia ser a única e/ou principal determinante do comportamento é universalmente
rejeitada.
Assim sendo, tentar explicar o comportamento e as atitudes humanas, apenas a partir de
fatores biológicos não parece ser um bom método, pois qualquer comportamento, incluindo o
comportamento criminoso, é considerado como um conjunto de inúmeros processos em complexa
interação. Em nosso caso, essa interação se dá através do vocábulo tríplice; bio-psico-social.
Segundo Cristina Queirós, a perspectiva biológica utilizada pelos vários estudos descritos pode
ser considerada como uma "biologia das causas". A alternativa a esta perspectiva mecanicista seria a
"biologia dos processos", que começa a ser utilizada atualmente, através da abordagem bio-psicosocial,
a qual tenta articular os fatores biológicos com os restantes níveis do comportamento humano.
Na avaliação da biologia do crime, mesmo reconhecendo ser necessário perscrutar as bases
biológicas do crime, esta deverá considerar, obrigatoriamente, a interação com outros fatores
envolvidos (Farrington, 1987; Raine & Dunkin, 1990; Farrington, 1991), não esquecendo que o todo o
indivíduo é um ser biológico em interação com o meio (Karli, 1990).
Em suma, pode-se concluir que as abordagens biológicas, apesar de serem geralmente vistas
como polêmicas e discricionárias, também são importantes no estudo e na compreensão do crime
e do criminoso, não devendo nem ser negadas nem supervalorizadas.
Interpretando os fatores biológicos como representantes da personalidade da pessoa, será
possível articular este aspecto constitucional com outros níveis da personalidade, bem como com os
níveis do ato transgressivo e com o significado deste.
CONDICIONANTES PSICOLÓGICOS
PERSONALIDADE
Segundo Porot, personalidade é a síntese de todos os elementos que concorrem para a
conformação mental de uma pessoa, de modo a conferir-lhe fisionomia própria. Em termos gerais
podemos dizer que é o hardware da pessoa.
Na constituição da personalidade interferem ou atuam múltiplas variáveis de ordem biopsiquica
(constituição biopsíquica) somadas às experiências vividas (integração). Como colocado por odon
ramos maranhão, constituição é o conjunto da estrutura do organismo e do temperamento.
A estrutura da personalidade é integrada por:
tipo morfológico: conformação básica;
tipo temperamental: disposição emocional básica;
caráter conjunto de experiências vividas.
A personalidade apresenta particularidades, que são suas bases fundamentais (maranhão), a
saber:
unidade e identidade: que lhe permitem ser um todo coerente, organizado e resistente;
vitalidade: caracterizando um conjunto animado e hierarquizado, com oscilações interiores
(fatores endógenos) e estímulos exteriores (fatores exógenos), que reage e responde;
consciência: que mantém a informação sobre o si mesmo e o meio;
relações com o meio ambiente: caracterizadas pela regulação entre o eu e o meio ambiente.
Personalidade Normal
É difícil estabelecer um critério de personalidade normal. Vários autores adotaram diversos
critérios para atingir tal fim. Exemplificamos duas classificações: a primeira, baseada no critério
biopsicológico e, a segunda, baseada em tipos somáticos.
O critério biopsicológico, descrito por kretschmer, apresenta três tipos somáticos:
a) Leptossômico
Alto, magro, pouco musculoso, rosto afilado, encanece precocemente, é introvertido e oscila da
insensibilidade á hipersensibilidade (esquizotímico).
b) Pícnico
Baixo, gordo, com abdome volumoso, sem pescoço, com tendência à calvície, apresenta variações
freqüentes de humor, da euforia à depressão (ciclotímico).
c) Atlético
De aspecto trapezoidal, ombros largos, relevos musculares evidentes, é explosivo e agressivo
(epileptóide).
Sheldon descreveu os tipos somáticos, com base embriológica, englobando três tipos básicos:
endomorfo, mesomorfo e ectomorfo.
Outras classificações de menor importância são baseadas em critérios filosóficos, sociológicos
e psicanalíticos.
O critério jurídico é definido pelos códigos:
Penal — dirige-se a entender o caráter do fato e a determinar-se conforme esse entendimento.
Civil, de acordo com maranhão — presume capacidade geral e faz restrições parciais e absolutas,
considerando as capacidades de discernimento, intenção, consciência e juízo.
Personalidades Patológicas
Ante o exposto, mais uma vez baseado nos trabalhos do Professor odon ramos maranhão,
podemos considerar fazendo parte das personalidades patológicas as seguintes perturbações:
do desenvolvimento e da continuidade, representadas pelos atrasos e infranormalidades — são
as oligofrenias;
da senso-percepção, da ideação e do juízo crítico, representadas pelas psicoses (alienações) e
pelas demências (deterioração mental);
da harmonia intrapsíquica, provocando sofrimentos conscientes de causa insconsciente,
representadas pelas neuroses;
do caráter, de base constitucional, representadas pelas personalidades psicopáticas.
Oligofrenias
As oligofrenias, também denominadas atrasos ou debilidades mentais, são insuficiências
congênitas, caracterizadas pelo não-desenvolvimento da inteligência; diferem das demências,
caracterizadas por deterioração da inteligência normalmente desenvolvida.
São vários os critérios diagnósticos:
a) Psicométrico
Baseado em medidas do quociente de inteligência, é o critério mais conhecido, mas que por
apresentar muitas deficiências, é atualmente muito combatido. Divide os deficientes em três grupos:
Idiotas: com Q.I. até 30, para alguns autores, e até 20 para outros.
Imbecis: com Q.I. entre 30 e 60 segundo um critério e entre 20 e 40 em outro.
Débeis: com Q.I. entre 60 e 90 segundo um critério e entre 40 e 65 em outro.
b) Escolar
Baseado no desenvolvimento e na cronologia, é o critério mais aceito e mais justo, dividindo as
deficiências em ligeiras (débeis), médias e profundas (idiotas). Permite ainda um tipo denominado
atrasados profundos, equivalentes aos idiotas do critério psicométrico.
Outros critérios diagnósticos são o social e o clínico; porém, são pouco utilizados. São
inimputáveis.
Alienações
Alienações ou psicoses são alterações psíquicas que tornam o indivíduo impossibilitado de
manter uma vida normal e de participar da vida em sociedade (vida coletiva e social), resultando daí as
designações alienação ou alienados. São os "loucos de todo o gênero" do Código Civil e a "doença ou
doente mental" do Código Penal.
São exemplos a psicose maníaco-depressiva (atual distúrbio bi-polar), as epilepsias, as senis,
a esquizofrenia e as alterações decorrentes do alcoolismo, da sífilis, das drogas, da arteriosclerose e
dos traumatismos crânio- encefálicos. São inimputáveis, via de regra.
Demências
De acordo com o pensamento de Seglas, as demências ou deteriorações mentais são
caracterizadas por um enfraquecimento (deterioração) intelectual progressivo, global e incurável.
Podem ser exemplificadas pelas senis (arteriosclerose, demência e Alzheimer) e pelos traumatismos.
São inimputáveis, via de regra.
Personalidades Psicopáticas
Personalidades psicopáticas ou anti-sociais são as determinadas por conduta anormal, social
ou não (reação anti-social).
Segundo entendimento de Maranhão são indivíduos cronicamente anti-sociais, sempre em
dificuldades, que não tiram proveito das experiências vividas, nem das punições sofridas e que não
mantém lealdade real a qualquer pessoa, grupo ou código.
Apresentam ausência de sentimentos, incluindo sentimento de culpa, tendência à
impulsividade, agressividade, falta de motivação e intolerância à frustração. Normalmente são
religiosos. São semi-imputáveis, via de regra.
Os criminosos em série geralmente são psicopatas. Um termo usado para designar não
somente doenças mentais. "Um psicopata pode não ser exatamente um doente mental", afirma a
psicóloga Maria de Fátima Franco dos Santos professora de Psicologia Forense da Puc de Campinas -
SP. São pessoas com personalidades de difícil relacionamento social. A personalidade é uma peça
que começa a ser formada bem cedo no ser humano, desde a sua concepção e termina por volta dos
cinco anos de idade. Neste período, a criança recebe os elementos necessários vão servir de base
para o seu comportamento pelo resto da vida. Daí grande parte dos criminosos psicopatas serem
frutos de famílias desestruturadas e de lares violentos.
Já os doentes mentais interagem com o mundo a partir de uma realidade que eles mesmos
criam. Os psicopatas, ao contrário, interferem na realidade a partir de sua personalidade desajustada
aos padrões sociais. São assim alguns estupradores e assassinos de série, sendo estes últimos os
casos mais graves.
Veja algumas características deste tipo de criminoso:
- São em grande maioria psicopatas;
- Gostam de demonstrar poder (são narcisistas, onipotentes, dominadores, machistas); - Sempre
reincidentes, raramente comete o crime somente uma vez.;
- Sadismo, sentem prazer em assistir o sofrimento alheio;
- Não assumem o crime, geralmente só confessam por deslizes movidos pelo prazer em reviver o
momento do crime.
- São levados ao crime por motivos diversos: uma homossexualidade latente pode levará violência
contra a mulher, por ser a criatura odiada, ou à violência contra homens, em uma tentativa de atacar a
morbidade encontrada em si mesmo.
Atenção: psicopatas não são tipos raros. Estima-se que 40% da população seja formada por
psicopatas, ou seja, pessoas que sofrem de sérios distúrbios de personalidade a ponto de interferir em
seu relacionamento social.
Como agem? - Modus Operandis
- Atacam em locais públicos;
- Escolhem vítimas sozinhas;
- Os ataques são, em sua maioria, noturnos e durante finais de semana;
- Abordam pedindo informação ou oferecendo algo atrativo;
Personalidade Delinqüente
Os indivíduos com personalidade delinqüente são portadores de defeitos graves do caráter,
quase sempre estruturados e geralmente irreversíveis. Considerados delinqüentes essenciais,
primários ou verdadeiros, são também conhecidos como portadores de personalidades dissociais.
De acordo com JERKINS, citado por MARANHÃO, o psicopata (personalidade psicopática)
apresenta falta de adequadas inibições, o que o leva a desordens do comportamento e à ação antisocial,
enquanto a personalidade pseudo-social (delinqüente) se mostra capaz de se adaptar a grupos
de comportamento desviado.
Neuroses
As neuroses manifestam-se por alterações freqüentes, geralmente sem base anatômica
conhecida, que não alteram a personalidade. Caracterizam-se por perturbações afetivas, inadaptação
à realidade e sensação de insuficiência afetiva e social, dentre outras.
São exemplificadas por distúrbios neuro-vegetativos (azia, dor e/ou batedeira no peito etc.),
doenças psicossomáticas (gastrite, colite etc.), fobias ("medo" de altura, de pontas, de aranha etc.),
histeria, angústia e compulsão, dentre outros.
As pessoas portadoras de neuroses são pessoas capazes, pois a personalidade está
preservada.
Incidente de Sanidade Mental
Quando há dúvida sobre a integridade psíquica do agente criminal, determina-se o "exame
prévio", nos termos dos arts. 149 e 151 do Código de Processo Penal.
Como complemento, apresentamos, baseadas nos trabalhos de maranhão, as diferenças mais
significativas entre as neuroses e a personalidade delinqüente.
Neuroses Personalidade delinqüente
Com conflito interno Sem conflito interno
Agressividade voltada a si Agressividade voltada à sociedade
Gratifica-se por fantasias Alivia tensões internas por meio de
ações criminosas
Admite seus impulsos e os reconhece como seus Atribui seus impulsos ao mundo exterior
Desenvolve relações emocionais positivas Desenvolve defesas emocionais
Socialmente ajustado Comportamento dissocial
Reage à passividade e dependência com
sofrimento, mas admite a situação
Procura negar a passividade e a dependência com
atitudes agressivas
Caráter normal Caráter deformado (dissociai)
Considerações
As características psicológicas profundas da delinqüência estão catalogadas, hoje, graças às
investigações de autores muito sérios.
Os menores delinqüentes, por exemplo, raramente apresentam sintomas neuróticos. São de
manejo difícil, mas procuram conquistar a atenção e os sentimentos de pena dos circunstantes, assim
como só excepcionalmente apresentam dificuldade de aprendizagem escolar em relação a certas
matérias, o que, no entanto é freqüente, nas crianças neuróticas, devido à inibição intelectual de causa
afetiva. O que lhes é comum, a menores neuróticos e menores delinqüentes, é a instabilidade da
atenção. Conseqüentemente, atrasam-se na escola. O menor delinqüente devaneia menos, pois está
dominado pelas tendências a dramatizar suas fantasias em ações. Quanto à conduta sexual, as
diferenças mais significativas que se registram entre menores delinqüentes e menores neuróticos
dizem respeito às perversões manifestas, mais comumente observadas naqueles. No referente à
formação da personalidade, o que se aponta com mais freqüência nos delinqüentes é a distorção do
superego.
De ordinário, os menores delinqüentes sofrem pressões ambientais mais traumatizantes que
os neuróticos. E ainda ressalta o fato de terem passado, muitas vezes, um bom tempo de sua infância
recolhidos a instituições, do gênero reformatório. Os neuróticos provêm de lares que aparentam uma
relativa estabilidade, enquanto, entre delinqüentes, o habitual é que provenham de lares totalmente
destruidos. Os pais de menores delinqüentes dão mostras de instabilidade temperamental ou mesmo
de tendências ou atuações anti-sociais francas. Os pais de crianças rotuladas como neuróticas são em
geral neuróticos manifestos. Os laços emocionais entre filho e pai, entre filho e mãe, assim como os
dos pais entre si, são de hábito conturbados no caso de delinqüentes, muito mais do que nos lares de
onde provêm os jovens obsessivos fóbicos.
Curiosamente, porém, assinalam alguns autores, não se verificam diferenças de vulto no trato
entre os irmãos, quer consideremos um ou outro dos grupos comparados.
A conduta leviana, incoerente, dos pais, influi de modo nocivo na estruturação da
personalidade da criança que poderá vir a ser um psicopata delinqüente. Também importa mencionar
aqui a proporção de menores perturbados da conduta que foram amamentados pela mãe é
insignificante e, quando o foram, o desmame se deu precocemente. Com os conhecimentos que
possuímos hoje acerca da formação da personalidade, é fácil compreender que esses fatores
negativos estão no núcleo dinâmico e genético do problema que ora nos ocupa. A base de toda a
situação psicopática-delinqüente é um impulso, devido à carência das funções de adaptação
aloplástica do ego. Entretanto, como a confusão é freqüente, importa salientar que impulso e
compulsão são diferentes. A compulsão caracteriza o ato obsessivo, mandato interior para fazer algo
sentido como desagradável, por doloroso, cruel ou repugnante. Na prática clínica, os atos compulsivos
podem às vezes com fundir-se com os impulsos, principalmente se estes estão sobrecarregados de
culpa.
A delinqüência, que se impõe como expressão mais ostensiva da psicopatia, é um transtorno
psíquico essencialmente evolutivo, que atinge o processo de personificação. Em conseqüência, há um
déficit do sentido de realidade, de sentimento de identidade, da noção do esquema corporal e da
capacidade de síntese do ego. A adaptação à realidade, não obstante a fachada de lucidez, é uma
pseudo-adaptação, decorrente da falta de integração adequada no nível afetivo e da inaptidão a
aprender com a experiência. E sobre isso somem-se as deficiências de abstração, o que leva o
psicopata delituoso a incorporar experiências concretas sem seu correspondente valor simbólico.
Portanto, se não vivencia o significado efetivo de muitas situações existenciais, importantes, consegue
apenas verbalizar suas emoções e tem extremamente comprometido o processo do pensamento. Com
efeito, pensar implica retardar a ação, esperar o momento apropriado para a gratificação desejada.
Como explicar, então, as habilidades mentais e motoras que caracterizam a maioria dos
delinqüentes, a ponto de escaparem impunes de inúmeros roubos, assassínios, embustes, etc.? E
que, como salientou Edgardo Rolla, esse "indivíduos fizeram de sua forma de viver um tipo de
especialização da coordenação motora estriada, e conseqüentemente da coordenação do
pensamento, que lhes permite cometer com o máximo de impunidade as ações fundamentais
características do psicopata".
Acentua-se ainda que, na psicopatologia desses indivíduos, se evidencia uma outra
peculiaridade do psiquismo, que é a perturbação de função sintética do ego, da qual depende a
integração dos impulsos e o seu aproveitamento para o desenvolvimento da personalidade. Daí o
déficit de auto-crítica, a desconsideração da realidade e a sempre possível eclosão criminosa.
Um dos aspectos do nosso tema, que talvez seja o que mais empolga no momento, é o da
delinqüência juvenil cujo substrato psicopatológico pode consistir em qualquer tipo de psicopatia. Duas
séries de fatores objetivos, convergindo para os sentimentos da infãncia e seus privilégios, de um lado,
e de outro, a expectativa ansiosa do futuro, contribuem para o quadro complexíssimo que configura a
crise da adolescência. Nessa crise, de ação e de expressão, o jovem corre atrás de suas definições: a
sexual e a de identidade. As expressões fenomenológicas dessa etapa subordinam-se às defesas
antidepressivas. Nesse jogo defensivo, recorrem à mentira, à má-fé, às identificações projetivas
maciças e, mais gravemente, às crises de despersonalização. A atividade desses jovens psicopatas,
que facilmente caem no delito, tanto em casa como na escola, no trabalho, nos locais de diversão,
tende a ser predominantemente negativa, tanto do ponto de vista da produtividade quanto da ética.
Procedem de lares carentes de figuras parentais apropriadas para uma boa identificação. São pais de
caráter muito infantil, desejosos de transformar os filhos em seus protetores, nos diferentes níveis
emocionais. O resultado de tal relacionamento com os pais é desastroso. Sem modelos maduros,
esses jovens são capazes de desenvolver as qualidades que levam naturalmente ao equilíbrio adulto.
Crescem, se é que se pode chamar a isso crescer, na dependência de mecanismos de repressão
maciça e de negação dos instintos, o que os isola da realidade. Incrementando-lhes o narcisismo e as
fantasias de onipotência, fonte de suas defesas antidepressivas. Como lhes faltam pais para uma
relação interpessoal salutar, tampouco podem adquirir confiança em si mesmos, o que constitui um
pré-requisito indispensável para desenvolver o espírito de independência e socialização. E que não
puderam tornar próprios, assimilados, os controles externos. E mais, para neutralizar a angústia que
lhes provoca essa impotência, negam seu valor como norma de vida. Tudo isso interfere
negativamente na compreensão da realidade, que tentam manejar magicamente. O fracasso dessa
defesa tem uma das primeiras manifestações na ansiedade que lhes provoca a escolha profissional,
devido à incapacidade para renunciar. Escolher então assume o significado, não de aquisição, mas de
perda de algo. Muitas de suas ações agressivas tomam aspectos de substitutivos de sintomas
psíquicos. Haja vista a esfera de genitalidade. Como a conduta genital se expressa em todas as
atividades, o fracasso de identidade sexual no psicopata manifesta-se em todos os campos da conduta
humana.
A delinqüência exprime o distúrbio da personalidade resultante do conflito crônico com os pais,
com as pessoas que são ou representam autoridades, com a sociedade em geral. O comportamento
desses indivíduos atesta o fracasso mais flagrante da luta defensiva contra os impulsos, contra as
premências reivindicantes.
A pesquisa das raízes do verdadeiro sentido desse distúrbio do existir levou os estudiosos do
assunto a considerá-lo multidisciplinar, epigenético. Portanto, será um enfoque errôneo pôr demasiada
ênfase num só fator dominante da personalidade delituosa. As séries complementares do
desenvolvimento dos indivíduos - instintos, família, costumes comunitários, sistema sócio-econômico -
todos amalgamados determinam vicissitudes de caráter e de conduta dificilmente reversíveis. Temos
aí, referidas de relance, as ciências básicas do homem: a Biologia, a Psicologia, a Ecologia, a
Antropologia, e a Sociologia. Quando ocorre uma falha na interação dessas séries complementares, o
que pode sobrevir é o transtorno no engajamento pessoal, dificultando a colaboração coletiva a favor
das transformações do ambiente, que se faz através das influências renovadoras. E então o indivíduo -
ante a angústia de sentir-se ameaçado de marginalização, se a comunidade o abandona
impiedosamente à sua imaturidade psicológica, deixando-o entregue à indigência de seus recursos
naturais de aprendizagem para a vida - ou reagirá destrutivamente contra a sua organização
comunitária ou se retrairá como unidade social e se apagará no autismo. Noutras palavras: ou se
extravia no crime, ou se desagrega na psicose.
CONDICIONANTES SOCIAIS
Condição Social versus Violência
Há quem considere a violência uma característica contemporânea, que emana da evolução do
homem, da globalização, da exclusão e dos diversos níveis sociais.
Ocorre que a violência, e por conseqüência a criminalidade, não se encontram restritas a esse
ambiente. Quem assim pensa só conhece da violência atual das megalópoles, e já se equivoca
porquanto desde os primórdios a violência acompanha a conduta humana, ou melhor, faz parte da
natureza do homem independente deste encontrar-se em ambiente urbano ou rural. Naquele sentido,
quando falamos de violência estaríamos deixando à margem aquela violência do campo onde as
contendas são resolvidas "na base do facão", porquanto, ademais, não se revestem na degradação
lato sensu do homem.
Como anteriormente citado, alguns homens cometem crimes levados pela influência do meio
em que vivem. Nesse passo, "condição social" abarca uma gama de características, quais sejam:
a) condição económica - renda insuficiente ou inexistente (oportunidade de trabalho);
b) formação de caráter - estrutura familiar na qual foi criado e na qual vive atualmente, (educação -
escola / creche);
c) condições dignas de moradia - habitação com infra-estrutura adequada (ser humano);
d) outras;
Não podemos olvidar, como conseqüência da falta de tais "condições mínimas de
sobrevivência" a precária alimentação do corpo que influi, ademais, na má formação "física, psíquica e
biológica" do homem, tornando-o "apto", também, a delinqüir; cuida-se do louco criminoso que da
patologia que possui - independente de sua fonte - acarreta o crime.
Nesta esteira, cumpre-nos examinar:
A Influência da Educação nos Instintos Criminosos.
"...a educação não representa senão uma das influencias que atuam nos primeiros anos da
vida e que, como a hereditariedade e a tradição, contribuem para a gênese do caráter. Mas, uma vez
formado, este subsiste, como a physionomia physica, perpetuamente aquilo que é. De resto, é ainda
duvidoso que um instinto moral definitivo possa criar-se pela educação na primeira infância".
Como se verifica da citação de GAROFALO, a educação não se reveste de critério
determinante à formação dos criminosos, mas deve ser considerado "um dos" fatores de influência em
seu caráter. Vale dizer que o fato de um indivíduo possuir uma educação "exemplar" não resta definido
seu futuro em face do cometimento futuro de crimes.
Vale sopesar que a educação que faz referência o tópico desde título não se restringe tão
somente ao sentido pedagógico; trata-se, ademais, de uma série de influências externas, "de cenas
continuamente vistas" pelas crianças e que são capazes de criar hábitos morais.
Fazendo um exercício hipotético de realidade, o que podemos esperar de duas crianças (um
menino e uma menina) que são criados em um lar aonde seu pai, depois de um longo e cansativo dia
de "vadiagem" chega em casa e prontamente passa a espancar sua esposa, a gritar com seus filhos,
chegando - não raras vezes a violentá-los.
- Não é difícil crer que aquele menino vai crescer com a figura de seus pais (ele violento e ela
submissa) na mente, como uma mancha negra indelével, tendo para si a certeza de que aquele é o
papel da esposa e do marido no casamento.
De outra feita, a posição daquela menina frente à sociedade conjugal que um dia possa vir a
contrair fica desde logo afetada; não se poderá responsabilizá-la pelo medo e submissão da figura
masculina que a acompanhará para sempre, ademais, caso venha ela a ser violentada pelo futuro
marido, nada de novo terá tal "bestialidade" posto que na sua concepção de família esta conduta é
"legal"; não se cobrará dela sequer denunciá-lo.
"a educação doméstica é uma continuação da herança; o que não é transmitido por geração,
é-o, de um modo também quase sempre inconsciente, pelos exemplos dos pais".
- Uma questão se impõe: Podemos afirmar que o marido que bate em sua esposa o faz porque sua
mãe apanhava de seu pai? - Não há exceção?
Torna-se equivocado (fazendo referência novamente à citação de Garofalo) dizer que tais
"cenas" são determinantes no caráter criminoso de um homem.
Do sentido de educação podemos extrair algumas considerações, o que impõe desde logo
algumas indagações:
- Toda criança "mal educada" vai um dia cometer crime?
- Alguém com "boa educação" pode cometer um delito?
- A educação (ou a falta dela) é "o" caráter definidor da conduta delituosa de um indivíduo?
Dados da Secretaria de Segurança Pública refletem as características dos internos da FEBEM
e nos dão certa idéia dos fatores determinantes do crime; como se verá, a falsa idéia de que só o
"pobre" comete crime não se funda na realidade.
Os menores infratores apontam como fatores que os levaram ao crime: exclusão social, uso de
drogas e falta de estrutura familiar.
As palavras dos internos da FEBEM são o retrato da mentalidade social: "nem todos que estão
é um bicho como a imagem nossa lá fora".
"O que fez eu entrar pro crime (...) foi as necessidades que eu encontrei e que estava
passando... uma certa ambição também de ter as coisas (...) andar do jeito que todo mundo anda, com
dinheiro. A proposta que foi feita pra mim não foi a proposta de um trabalho, de ter um trampo. A
primeira proposta que teve pra mim foi pegar num revólver, foi vender uma droga".
"não ter emprego, falta de estudo e não ter oportunidade pra nós da periferia. Essa situação
chegou a um ponto que na vida do crime a gente ganhava alguma coisa".
"eu costumava roubar para usar drogas e usar drogas para roubar. Quando eu ia roubar eu
gostava de cheirar cocaína porque ela estimulava a violência, deixa você mais agressivo. Então, eu
tinha mais apetite".
"já tirei a vida de duas pessoas num assalta, mas, por mim não fez nem falta"
"o primeiro ato infracional que eu cometi na minha vida foi esse homicídio. O que eu senti num
primeiro momento foi a revolta. Eu até não queria mas a revolta foi trazendo tudo isso na minha
cabeça e pelo ódio e pelas mágoas eu ajuntei tudo e cometi esse crime".
Sendo assim, em relação à educação podemos assegurar que não se trata de critério único e
determinante na delinqüência futura do homem; há se levar em consideração outros fatores que,
somados, PODEM criar uma personalidade criminosa.
A Influência Econômica nos Instintos Criminosos
"crêem os socialistas que, removidas certas instituições e atingido o ideal que eles proclamam,
cessaria a maior parte dos delitos".
- Marginal é quem mora na favela!!!
Em tais locais, por exemplo, ademais do contato diário da violência com os moradores, suas
próprias condições refletem a falta absoluta de condições humanas de vida; as pessoas vivem ao lado
de esgotos, "moram em residências" sem o mínimo de estrutura, sem falar da precariedade de
subsistência frente sua condição social.
Tal realidade denota a falta de oportunidade de emprego e a ineficácia do seu ganho refletir
em melhores condições de SOBREVIVÊNCIA.
Muitos acreditam que o aumento da desigualdade social é o responsável pela violência que
impera hodiernamente. Ora, se assim o fosse, certo seria dizer que a violência se voltaria tão somente
contra os mais abastados; no entanto, o que se vê é a indiscriminada violência, ou seja, o "não
abastado", ou mais, "o miserável" possui chances iguais de ser violentado em seus mais diversos bens
quanto aquele que ostenta boa situação econômica.
O que ocorre - certamente - que a falta de condições econômicas refletem e geram outros
maus; a desigual repartição da riqueza condena uma parte da população à miséria, e com esta à falta
de educação, de moradia, de alimento, de condições mínimas de sobrevivência, de falta total de
esperança num futuro pouco melhor.
Tal assertiva reveste-se da realidade conquanto os "ricos" também cometem crimes; há
aqueles que não estão privados de excelente moradia, educação pedagógica e familiar exemplar, mas
nem por isso deixam, absolutamente, de estarem "aptos" à delinqüência.
Os abastados trazem consigo diferentes fatores que os levam ao crime. Algumas vezes, "o
pobre" rouba visando o sustento de seus familiares, ou ainda, o faz em busca de melhores condições
de vida. O "rico", de outra feita, já dispõe de tudo que necessita porquanto se alimenta com dignidade,
sua família detêm certas "regalias", não possuindo, a priori "desculpa para roubar".
Possui, todavia, o que o homem tratou chamar de ganãncia.
Utópica e hipoteticamente refletindo, não podia ele dispor de seus bens em excesso a favor
daquele que não os tem? - Assim não sendo, necessita ainda de mais, e, sobretudo, precisa delinqüir
para alcançar este algo mais?
O que diverge da antagônica realidade do "pobre" e do "rico" é o crime (meio) dos quais se
utilizam para "saciar" seus desejos; O primeiro se vale do furto, do roubo, do seqüestro; o segundo das
falsificações e das fraudes de toda espécie, visando essencialmente a obtenção de mais riqueza
(monetária). De certo que os crimes mais violentos estão ligados à camada mais baixa da sociedade,
mas são, senão, variantes de um mesmo delito natural.
A falta de freio moral é o mesmo!!!
Independente ou não da sua boa ou má educação lato sensu - como explicitado no tópico
anterior - o abastado comete o delito e não se frustra, igualmente, a novos crimes se necessário for.
Inserida assim a questão podemos asseverar que os fatores econômicos e educacionais não
determinam, individualmente, o caráter delinqüente do homem.
Ficam, pois, algumas questões:
1. Os critérios estudados influenciam na violência e no crime?
2. O homem é fruto do meio ou o meio social é fruto do homem que nele vive?
3. Para aqueles que acreditam na influência ímpar de cada critério, como explicar sua eficácia (ou não)
frente os criminosos natos?
Devemos assim nos voltar para a base da formação que é a família e com igual razão ao
Estado como garantidor de condições mínimas de humanidade. A família por sua vez - berço de um
futuro sólido - só se fortifica se o Estado se coloca como sua base primária.
Homem violento e criminoso: Fruto do meio social em que vive?
Qualquer motivo é idõneo para impulsionar alguém a ter ou deixar de ter determinado
comportamento, ainda que considerado socialmente inadequado ou absurdo; na verdade, toda ação
possui uma lógica interna, orientada para a satisfação de uma necessidade primordial de
sobrevivência, de segurança ou de amadurecimento, tais como o amor, estima social, auto-estima ou
sensação de pertencer a um grupo, qualquer que seja ele.
É óbvio que as dificuldades econômicas pelas quais passam nosso país, refletem na
população em geral, sobretudo nas camadas mais pobres, na grande parte miseráveis; contudo isso
não importa necessariamente em que se tornem criminosos.
Vários são os exemplos de que pobreza não implica em conduta criminosa, sendo o maior de
todos, no nosso ponto de vista, aquele em que o indivíduo se coloca como um animal de carga e
passa a puxar um carrinho no qual deposita papelão ou ferro velho, para sustentar a si e à sua família.
Tais pessoas preferem o caminho mais difícil, ou seja, passar fome a cometer delitos.
Os que o leva a não cometer crimes é difícil responder, mas sem dúvida, tal resposta se
baseia, necessariamente, na sua personalidade (sentimento, valores, tendências e volições).
Exatamente por serem vários os exemplos, entendemos não ser lícito ao criminoso escorar-se
na condição social para justificar seus atos violentos. Em sua maioria, aquele que comete crime por
passar fome, não usa da violência para cometê-los, opta no mais das vezes por cometer pequenos
furtos (chamado furto famélico).
Também é verdade que podemos encontrar atitudes violentas e crimes violentos em todas
classes sociais, do contrário como explicar crimes como o cometido pelo jornalista Pimenta Neves, o
do promotor de justiça Igor Ferreira que matou a esposa grávida de oito meses, dentre tantos outros.
Contudo, não podemos nos apartar da realidade e negar que é no seio da população mais
carente e miserável que a violência e os crimes violentos encontram campo propício para se
desenvolver, ademais dos motivos anteriormente expostos.
Nesse passo, os crimes violentos não se resumem em homicídios, no entanto esse é um bom
parâmetro para demonstrarmos nossa posição. Segundo dados fornecidos pela Secretaria de
Segurança Pública, no tocante ao ano de 1999, podemos observar a maior incidência de homicídios
(100.000 habit.) no município de São Paulo nas áreas dos Distritos Policiais em que se encontram as
populações mais carentes tais como Jardim Angela - 116,23; Cidade Ademar - 106,06; Iguatemi -
100,11; Parque São Rafael - 96,16 e Grajaú - 95,62 ao passo que há uma menor incidência nas áreas
dos Distritos Policiais em que se encontram populações de classes média e alta, tais como Moema -
4,11; Jardim Paulista - 8,22; Vila Mariana - 11,55; Perdizes - 14,73 e Alto de Pinheiros - 16,49
(Apêndice, p. VI e VII).
Não podemos assim responder se o homem violento é produto do meio em que vive ou se ele
forja tal meio ao seu talante, ou seja, se o meio é produto do homem; no entanto, com certeza,
podemos dizer que a grande massa de miseráveis, principalmente aqueles que coabitam em favelas,
convivem no seu dia a dia com um alto grau de violência, comparável somente a Estados que se
encontram em constante guerra.
Diante das estatísticas e números não há argumentos.
Classificação dos Delinqüentes
Classificação dos Criminosos:
Observando os ensinamentos do doutrinador Guido Arturo Palomba, ilustre Psiquiatra Forense,
seguindo os caminhos trilhados por Cândido Motta, podemos, basicamente, ter cinco tipos de
criminosos:
1°- Os Impetuosos: Agem em curto-circuito, por amor à honra, sem premeditação, fruto de uma
anestesia momentânea do senso crítico. Dentre os delitos que praticam relacionam-se principalmente
o crime passional e alguns tipos de assassinatos e de agressão física. Em geral é um criminoso
honesto, principalmente quando se trata de um delito passional dos amantes, dos maridos e das
mulheres traídas.
2°- Os Ocasionais: São os levados pelas condições pessoais e influências do meio. Os fatores têm
muito peso. Os delitos que mais praticam são o furto e o estelionato.
3°- Os Habituais: São aqueles cujos marginais são incapazes de readquirir uma existência honesta. A
emenda é a exceção. Cometem toda a sorte de delitos como assaltos, tráfico de drogas e assassinatos
em série. Esses últimos são conhecidos como "assassinos de aluguel ou justiceiros".
O criminoso habitual é o que tem como profissão o crime; sai de casa para "trabalhar" cuja
atividade é o delito.
4°- Fronteiriços: Não são propriamente doentes mentais e também não são normais. Apresentam
permanentes deformidades do sendo ético-moral distúrbio de afeto e da sensibilidade cujas alterações
psíquicas os levam ao delito.
Quando dão de ser violentos, são os que praticam os atos mais perversos e hediondos dentre
todos os outros tipos de criminosos.
A característica principal dos criminosos fronteiriços é a extrema frieza e insensibilidade moral
com que tratam as vítimas.
5°- Loucos Criminosos: Os delitos que praticam podem ser divididos em dois grandes grupos:
I - aqueles que agem graças a um processo lento e reflexivo e
II - aqueles que agem por impulso momentâneo.
No primeiro caso, a idéia surge do nada, inesperadamente, é a obsessão doentia e invencível.
No segundo caso, a deliberação do crime é fruto de uma impulsão momentânea; é seguido de
imediata execução. O atoé em curto-circuito, reação primitiva, sem motivo algum que possa
justificar o tipo de atitude.
No campo da execução penal importante ressaltar sua natureza e objeto. Quanto a natureza, a
jurisprudência e a doutrina nos apontam as divergências reinantes, pois para alguns a execução
criminal tem incontestável caráter de processo judicial contraditório. É de natureza jurisdicional.
Para Ada Pellegrini Grinover a execução penal é uma atividade complexa, que se desenvolve
nos planos jurisdicional e administrativo. Segundo Paulo Lúcio Nogueira a execução penal é de
natureza mista, complexa e eclética no sentido de que certas normas da execução pertencem ao
direito processual enquanto que outras que regulam a execução propriamente dita pertencem ao
direito administrativo.
Para Júlio Fabbrini Mirabete a execução é de índole predominantemente administrativa.
Quanto ao objeto, visa-se pela execução fazer cumprir o comando emergente da sentença
penal condenatória ou absolutória imprópria, assim considerada aquela que não acolhe a pretensão
punitiva mas reconhece a prática da infração penal e impõe aq réu medida de segurança.
De acordo com o Artigo 3° da Lei de Execução Penal – Ao condenado e ao internado serão
assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.
São várias as conseqüências da condenação e os direitos atingidos pela sentença, como por
exemplo:
1 - Lançamento do nome do réu ao rol dos culpados, o que só é possível após o transito em julgado da
sentença penal condenatória;
2 - Prisão do réu;
3 - Tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime;
4 - Perda de cargo, função pública e mandato eletivo;
5 - Constitui obstáculo à naturalização do condenado;
Por outro lado, não são atingido pela sentença penal condenatória os seguintes direitos:
1 - Inviolabilidade do direito à vida, liberdade, igualdade, à segurança e à propriedade;
2 - Igualdade entre homens e mulheres em direitos e obrigações;
3 - Integridade física e moral, não podendo ser submetido a tortura ou tratamento desumano ou
degradante;
4 - Liberdade de manifestação do pensamento;
5 - Individualização da pena;
Vitimologia
O QUE É VITIMOLOGIA
Vitimologia pode ser definida como o estudo científico da extensão, natureza e causas da
vitimização criminal, suas conseqüências para as pessoas envolvidas e as reações àquela pela
sociedade, em particular pela polícia e pelo sistema de justiça criminal, assim como pelos
trabalhadores voluntários e colaboradores profissionais.
A definição abrange tanto a vitimologia penal quanto a geral ou vitimologia orientada para a
assistência.
O termo "vitimologia" foi utilizado por primeiro pelo psiquiatra americano Frederick Wertham,
mas ganhou notoriedade com o trabalho de Hans von Hentig "The Criminal an his Victim", de 1948.
Hentig propôs uma abordagem dinâmica, interacionista, desafiando a concepção de vítima como ator
passivo. Salientou que poderia haver algumas características das vítimas que poderiam precipitar os
fatos ou condutas delituosas. Sobretudo, realçou a necessidade de analisar as relações existentes
entre vítima e agressor.
A vitimologia é hoje um campo de estudo orientado para a ação ou formulação de políticas
públicas.
A vitimologia não deve ser definida em termos de direito penal, mas de direitos humanos.
Assim, a vitimologia deveria ser o estudo das conseqüências dos abusos contra os direitos humanos,
cometidos por cidadãos ou agentes do governo.
As violações a direitos humanos são hoje consideradas questão central na vitimologia.
A expressão "vítimas" significa pessoas que, individual ou coletivamente, sofreram dano,
incluindo lesão física ou mental, sofrimento emocional, perda econômica ou restrição substancial dos
seus direitos fundamentais, através de atos ou omissões que consistem em violação a normas penais,
incluindo aquelas que proscrevem abuso de poder.
Na Declaração da ONU, de 1985, "victims" are defined in the broad sense as persons who,
individually or collectively, have suffered harm, including physical or mental injury, emotional suffering,
economic loss or substantial impairment of their fundamental rights, through acts or omissions that are
violations of national criminal laws or of internationally recognized norms relating to human rights."
As vítimas de atos ilícitos, especialmente de delitos, passaram por fases que, no dizer de
Garcia-Pablos de Molina, correspondem a um protagonismo, neutralização, e redescobrimento.
O protagonismo correspondeu ao período da vingança privada, em que os danos produzidos
sobre uma pessoa ou seus bens eram reparados ou punidos pela própria pessoa.
As chamadas ciências criminais - Ciência do Direito Penal, Criminologia e Política Criminal,
"abandonaram" a vitima, quando sua atenção volta-se para o infrator.
A resposta ao delito assume critérios vingativos e punitivos, quase nunca reparatórios.
A idéia de neutralização da vítima entende que a resposta ao crime deve ser imparcial,
desapaixonada, despersonalizando a rivalidade. O problema daí decorrente é que a linguagem
simbólica do direito e formalismo transformaram vítimas concretas em abstrações.
Observe-se, ainda, que a punição serviria como prevenção geral. Pouca preocupação havia
com a reparação.
O redescobrimento da vítima é um fenômeno do pós 2a Guerra Mundial. É uma resposta ética
e social ao fenômeno multitudinário da macrovitimização, que atingiu especialmente judeus, ciganos,
homossexuais, e outros grupos vulneráveis. Esse redescobrimento não persegue nem retorno à
vingança privada; nem quebra das garantias para os delinqüentes: a vítima quer justiça.
A vitimologia vem, efetivamente, conferir novo status à vítima, contribuindo para redefinir suas
relações com o delinqüente; com o sistema jurídico; com autoridades, etc.
A propósito, o próprio conceito de vítima precisou ser revisto, posto que já não corresponde
apenas ao sujeito passivo (protagonista) do fato criminoso. Exemplo de modo amplo de compreender
vítima é trazido por Sue Moody, ao mencionar como o principal documento definidor de política pública
para vítimas de delitos, na Escócia, trata a questão: Vítima é qualquer pessoa que tenha sido sujeita a
qualquer tipo de crime, como também sua família ou aqueles que gozam de uma posição equivalente à
de família.
Ao lado do conceito mais amplo de vítima, surgiu também o de vitimização, que examina tanto
a propensão para ser vítima quanto os vários mecanismos de produção de danos diretos e indiretos
sobre a vítima.
Israel Charny entende que o processo de vitimização diz respeito a relações humanas, que
podem ser compreendidas como relações de poder. Fattah (1979) identificava no crime como que uma
transação em que agressor e vítima desempenhavam papéis.
Assim, a identificação de vulnerabilidade e de definibilidade da vítima são essenciais no
processo.
A vulnerabilidade da vítima decorre de diversos fatores (de ordem física, psicológica,
econômica e outras), o que faz com que o risco de vitimização seja diferencial, para cada pessoa e
delito. Nesse sentido, o exame dos recursos sociais efetivos da vítima também deve ser levados em
conta.
Kurt Vonnegut Jr., com uma certa ironia, afirma que "Os evangelhos ensinaram, de fato, o
seguinte:" Antes de matar alguém, certifique-se de que ele não é bem relacionado."
Os judeus mataram Cristo. Mais de 2.000 anos depois, mais de um bilhão de pessoas
diariamente escutam, em todas as partes do mundo, a narrativa de sua morte. "Não sabíamos que era
o Filho de Deus", poderão responder. Como, em Brasília, os garotos que brincaram de incendiários, e
queimaram o índio Galdino Pataxó disseram: "Não sabíamos que era um índio. Pensávamos que
fosse só um mendigo".
Contribuições da vitimologia
Os estudos de vitimologia tem dado imensa contribuição para a compreensão do fenômeno da
criminalidade, contribuindo para melhor enfrentamento, a partir da introdução do enfoque sobre as
vítimas atingidas e os danos produzidos.
O primeiro aspecto observado por Garcia-Pablos diz respeito à compreensão da dinâmica
criminal, e da interação delinqüente-vítima. Em que medida a vítima interfere para o desencadear da
ação, ou sua precipitação. Em que medida suas ações ou reações condicionam ou direcionam as
ações dos agressores. E em que delitos o papel da vítima é de menor importância.
Análise sobre a vítima também se faz relevante para a prevenção do delito. A introdução da
chamada "prevenção vitimaria", que se contrapõe à prevenção criminal, realça a importância de se
evitar que delitos aconteçam, a partir da reorientação às vítimas, e aos próprios órgãos do estado, para
que adotem condutas e perspectivas distintas, que reduzam ou eliminem as situações de risco. A
reflexão parte da constatação de que o crime é um fenômeno seletivo, e que atinge os mais
vulneráveis, no momento de maior vulnerabilidade. Assim, a prevenção é dirigida aos grupos mais
vulneráveis ou mais propensos à vitimização. Além disso, essa prevenção vitimaria exige adoção de
políticas públicas sociais, ensejando intervenção não penal. Finalmente, co-responsabiliza todos. O
que é muito próprio, já que vivemos em uma sociedade de risco.
Outro aspecto absolutamente relevante é que a vítima é fonte de informações.
Com efeito, as pesquisas de vitimização fornecem imensos subsídios a respeito de como os
delitos ocorrem, em que circunstâncias de tempo e lugar, e por quais fatores desencadeantes. A partir
da vítima, que é conhecida, e acessível de pronto, é possível identificar relações existentes ou não
com a pessoa do agressor, e outros fatores relevantes.
O medo do delito e o medo coletivo de ser a próxima vítima são também objeto do estudo da
vitimologia. O medo, percepção e sentimento individual, mas com forte conteúdo de objetividade, ajuda
a reconhecer a presença do risco, e orientar a conduta para minimizá-lo ou mitigar seus efeitos. Mas
também o medo aprisiona, e termina sendo, ele mesmo, fator de vitimização. A sensação de
insegurança coletiva, que enseja a adoção de políticas criminais fortemente repressoras, plenas de
abusos de direitos, e destruição de prerrogativas dos cidadãos, encontra aí sua raiz.
Também o modo como a política criminal trata a vítima é tema de relevo. O modo tradicional
tenta, quando o faz, uma ressocialização do delinqüente. Mas raramente se percebe que também a
vítima precisa se encontrar, e ser reintroduzida ao convívio social. Não sendo percebida, torna-se
esquecida em todas as fases das políticas criminais. A chave para sua inclusão está no respeito a
seus direitos, para evitar vitimização secundária. Esta termina acontecendo quando se tem a lesão e
sua não reparação; o crime e sua impunidade; a vitimização e a ausência de investigação, de processo
e de condenação. Uma tendência que tem sido observada é a introdução de programas de assistência
à vítima, que incluem assistência strictu sensu, reparação pelo infrator, programas de compensação, e
programas especiais de assistência, quando a vítima for declarante.
Talvez as maiores contribuições estejam sendo dadas a partir das reflexões sobre as relações
existentes entre a vítima e sistema legal, e a vítima e a justiça penal.
O sistema legal costuma realizar perseguição aos delitos noticiados. Estudos revelam que há
subnotificação. Ou seja, os delitos praticados são em número superior às ocorrências registradas. Por
que se subnotifica? Quem melhor pode responderé a vítima, e o sistema não pode ser indiferente às
suas percepções.
Ora, a alienação em relação ao sistema diz tanto quanto a afirmação de notificar. O certo é que
a vivência da vítima, e suas características e atitudes são elementos e fatores relevantes para o
adequado funcionamento do sistema penal.
A relação existente entre crimes conhecidos ou esclarecidos pela Polícia, ou processados, e o
papel desempenhado pela vítima. Identificam que os crimes conhecidos ordinariamente resultam de
uma proatividade da polícia, ou de uma reatividade. Na pro-atividade, a polícia seleciona suspeitos
pelos estereótipos. Isso pode implicar em procedimentos discriminatórios por parte da polícia, desde
que há grupos antecipadamente considerados como mais propensos à prática de delitos, e outros
grupos imunes à suspeita, ou investigação.
Na reatividade, a denúncia da vítima desempenha papel vital. Mas eles advertem: nem toda
vítima faz desencadear investigações. Só as capazes de se justificarem como tais. Ou seja, não é
toda vítima que consegue fazer com que a polícia inicie uma investigação. E é a polícia que define
quem e o que investigar.
As conclusões a que chegaram esses pesquisadores apontam no sentido de que a polícia não
investiga quando a vítima se opõe fortemente, nem quando o investigado é muito poderoso.
Por outro lado, o ministério público também constrói seu perfil de vítima ideal. Esta deve ser
aquela que pode ser uma boa testemunha.
Finalmente, os estudos de vitimologia ajudam a melhor compreender a interação existente
entre a vítima e justiça penal. O modelo clássico, com efeito, tem a vítima como objeto, ou pretexto,
para a investigação. Mas ordinariamente não leva em conta seus interesses legítimos. Isso fez com
que fossem identificados fatores que pudessem contribuir para mensurar a qualidade de uma justiça
criminal. Entre esses, são examinados como se concebe o fato delitivo e o papel dos protagonistas;
como ou se se satisfaz a expectativa dos protagonistas; qual o custo social; qual a atitude dos usuários
da justiça.
O Conselho de Ministros da União Européia publicou uma Decisão Referencial sobre a
Presença das Vítimas nos Procedimentos Criminais. Como padrão mínimo é incluído o dever de
informação sobre tipos de apoio disponíveis para a vítima; onde e como comunicar a queixa; os
procedimentos criminais e o papel da vítima; acesso a proteção e aconselhamento; elegibilidade para
compensação; resultado do julgamento e da sentença.
Uma boa comunicação com a vítima é exigida em todas as fases do processo criminal.
TIPOLOGIA DAS VÍTIMAS
Classificações de Benjamín Mendelsohn (Tiplogias, Centro de Difusion de la Victímologia, 2002).
O vitimólogo israelita fundamenta sua classificação na correlação da culpabilidade entre a
vítima e o infrator. E o único que chega a relacionar a pena com a atitude vitimal. Sustenta que há uma
relação inversa entre a culpabilidade do agressor e a do ofendido, a maior culpabilidade de uma é
menor que a culpabilidade do outro.
1 - Vítima completamente inocente ou vítima ideal: é a vítima inconsciente que se colocaria em 0%
absoluto da escala de Mendelsohn. E a que nada fez ou nada provocou para desencadear a situação
criminal, pela qual se vê danificada. Ex. incêndio
2 - Vítima de culpabilidade menor ou vítima por ignorância: neste caso se dá um certo impulso
involuntário ao delito. O sujeito por certo grau de culpa ou por meio de um ato pouco reflexivo causa
sua própria vitimização. Ex. Mulher que provoca um aborto por meios impróprios pagando com sua
vida, sua ignorância.
3 - Vítima tão culpável como o infrator ou vítima voluntária: aquelas que cometem suicídio jogando com
a sorte. Ex. roleta russa, suicídio por adesão vítima que sofre de enfermidade incurável e que pede
que a matem, não podendo mais suportar a dor (eutanásia) a companheira (o) que pactua um suicídio;
os amantes desesperados; o esposo que mata a mulher doente e se suicida.
4 - Vítima mais culpável que o infrator.
Vítima provocadora: aquela que por sua própria conduta incita o infrator a cometer a infração. Tal
incitação cria e favorece a explosão prévia á descarga que significa o crime.
Vítima por imprudência: é a que determina o acidente por falta de cuidados. Ex. quem deixa o
automóvel mal fechado ou com as chaves no contato.
5 - Vítima mais culpável ou unicamente culpável.
Vítima infratora: cometendo uma infração o agressor cai vítima exclusivamente culpável ou ideal, se
trata do caso de legitima defesa, em que o acusado deve ser absolvido.
Vítima simuladora: o acusador que premedita e irresponsavelmente joga a culpa ao acusado,
recorrendo a qualquer manobra com a intenção de fazer justiça num erro.
Meldelsohn conclui que as vítimas podem ser classificadas em 3 grandes grupos para efeitos
de aplicação da pena ao infrator:
1 – Primeiro grupo: vítima inocente: não há provocação nem outra forma de participação no delito,
mas sim puramente vitimal.
2 – Segundo grupo: estas vítimas colaboraram na ação nociva e existe uma culpabilidade reciproca,
pela qual a pena deve ser menor para o agente do delito(vítima provocadora)
3 – Terceiro grupo: nestes casos são as vítimas as que cometem por si a ação nociva e o não
culpado deve ser excluído de toda pena.
VITIMOLOGIA, A CIÊNCIA PENAL E O ITER VICTIMAE - PROCESSO DE VITIMIZAÇÃO.
Como aponta Edmundo de Oliveira, "Iter Victimae é o caminho, interno e externo, que segue
um indivíduo para se converter em vítima, o conjunto de etapas que se operam cronologicamente no
desenvolvimento de vitimização (Vitimologia e direito penal, p.103-4)".
Fases do Iter Victimae, segundo a esquematização elaborada pelo próprio Edmundo de Oliveira em
sua obra Vitimologia e o Direito Penal – O crime precipitado pela vítima, 2001, p. 101, in verbis:
Intuição (intuito) - A primeira fase do Iter Victimae é a intuição, quando se planta na mente da vítima a
idéia de ser prejudicado, hostilizada ou imolada por um ofensor.
Atos preparatórios (conatus remotus) - Depois de projetar mentalmente a expectativa de ser vítima,
passa o indivíduo à fase dos atos preparatórios (conatus remotus), momento em que desvela a
preocupação de tornar as medidas preliminares para defender-se ou ajustar o seu comportamento, de
modo consensual ou com resignação, às deliberações de dano ou perigo articulados pelo ofensor.
Início da execução (conatus proximus) - Posteriormente, vem a fase do início da execução (conatus
proximus), oportunidade em que a vítima começa a operacionalização de sua defesa, aproveitando a
chance que dispõe para exercitá-la, ou direcionar seu comportamento para cooperar, apoiar ou facilitar
a ação ou omissão aspirada pelo ofensor.
Execução (executio) - Em seguida, ocorre a autêntica execução distinguido-se pela definitiva
resistência da vítima para então evitar, a todo custo, que seja atingida pelo resultado pretendido por
seu agressor, ou então se deixar por ele vitimizar.
Consumação (consummatio) ou tentativa (crime falho ou conatus proximus) - Finalmente, após a
execução, aparece a consumação mediante o advento do efeito perseguido pelo autor, com ou sem a
adesão da vítima. Contatando-se a repulsa da vítima durante a execução, aí pode se dar a tentativa de
crime, quando a prática do fato demonstrar que o autor não alcançou seu propósito (finis operantis) em
virtude de algum impedimento alheio à sua vontade.(Edmundo de oliveira. Vitimologia e dreito penal.
2001, p. 105)
PERIGOSIDADE VITIMAL
No importante estudo sobre o comportamento da vítima, é relevante discorrermos brevemente
sobre a perigosidade vitimal, que é a etapa inicial da vitimização. Perigosidade vitimal é um estado
psíquico e comportamental em que a vítima se coloca estimulando a sua vitimização, ex., a mulher que
usa roupas provocantes, estimulando a libido do estuprador no crime de estupro (Lúcio Ronaldo
Pereira Ribeiro. Vitimologia, 2000, p. 36.)
A compreensão do conceito de "Perigosidade Vitimal"é de suma importância para o
entendimento dos próximos textos, pois estaremos discorrendo dentre outras, da vítima provocadora e
de casos de vitimização com o consentimento da vítima.
O ARTIGO 59, CAPUT DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO
No nosso ordenamento jurídico temos alguns dispositivos constitucionais e infraconstitucionais
que falam sobre a vítima, como o Art. 59, 61, II, c, in fine; 65, III, c, do Código Penal e art. 245 da
Constituição Federal de 1988. Mas, o nosso estudo se concentra na principal mudança e preocupação
concernente à vítima no Brasil, que ocorreu no ano de 1984 com a reforma do Código Penal, o artigo
59, caput.
Tal mudança ocorreu com o advento da Lei 7.209, DE 11 DE JULHO DE 1984, da Nova Parte
Geral do Código Penal, assim passando a vigorar no Capítulo Ill – DA APLICAÇÃO DA PENA, o artigo
59, caput com a seguinte redação:
Art. 59. "O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à
personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como o
comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e
prevenção do crime".
A Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do Código Penal, justifica assim, a preocupação
com a vítima: "Fez-se referência expressa ao comportamento da vítima, erigido, muitas vezes, em fator
criminógeno, por constituir-se em provocação ou estímulo à conduta criminosa, como, em outras
modalidades, o pouco recato da vítima nos crimes contra os costumes"
O ART. 59, CAPUT DO CP E A APLICAÇÃO DA PENA.
Diante do que discorre o artigo 59, caput, então passou a ser dever do magistrado na
dosimetria da pena, analisar o comportamento da vítima (antes e depois do delito)como circunstância
judicial na individualização da pena imposta ao acusado.
As circunstâncias judiciais são muito importantes, pois é através delas que o juiz fixa a (pena
base), obedecido o disposto no art. 59; considera-se em seguida as circunstâncias atenuantes e
agravantes (pena provisória); incorpora-se ao cálculo, e finalmente as causas de diminuição e aumento
(pena definitiva).
Nesse sentido, Celso Delmanto, explana: "O comportamento do ofendido deve ser apreciado
de modo amplo no contexto da censurabilidade do autor do crime, não só diminuindo, mas também a
aumentando, eventualmente. Não deve ser igual a censura que recai sobre quem rouba as fulgurantes
jóias que uma senhora ostenta e a responsabilidade de quem subtrai donativos, por exemplo, do
Exército da Salvação"(Código Penal Comentado, 2000, p. 104).
O CONSENTIMENTO DA VÍTIMA (OFENDIDO).
Um fato importantíssimo que deve ser investigado, é no tocante ao consentimento do ofendido
(vítima). Dependendo do comportamento do ofendido, a conduta do sujeito ativo pode resultar em
atípica e antijurídica. Uma situação importante de consentimento da vítima, e que deve ser analisada
pelo magistrado é que, nos delitos sexuais, não é raro a contribuição, consciente ou inconsciente da
vítima nesses tipos de delitos (atentado violento ao pudor e estupro).
José Eulálio Figueiredo de Almeida, comenta: "O consentimento ou aquiescência da ofendida,
insista-se, obtém nota de relevo nos crimes sexuais, desde que não tenha sido viciado, porque permite
ao Juiz, diante da confirmação de tal circunstância, declarar a atipicidade da conduta do acusado ou a
sua antijuridicidade. (..) Se, por outro lado, esse consentimento é evidente exclui-se não apenas a
ilicitude, mas a tipicidade da conduta, isto é, não há delito a punir - nullum crimen sine culpa" (José
Eulálio Figueiredo de Almeida. Sedução - Instituto lendário do código penal, 2002)
E A "VÍTIMA", DEVE SER PUNIDA?
Como já apontado anteriormente, seja através das tipologias, seja através dos casos
estudados com consentimento da vítima, pudemos constatar que existem vítimas provocadoras, que
atraem para si uma determinada situação ou desencadeiam algum processo para que se torne vítima
de algo ou alguém, o chamado processo de vitimização.
Oportuno que sejam transcritas algumas ementas, para assim, demonstrar como a
jurisprudência vem se pronunciando a respeito de um tem tão relevante.
EMENTA - N° 17876 - ESTUPRO – Não caracterização – Nos crimes sexuais, a palavra da vítima, para
gozar da presunção de veracidade necessita ser verossímil, coerente e escudada no bom
comportamento anterior – No caso o comportamento da vítima deixa muita a desejar – Absolvição
decretada. (Relator: Celso Limongi – Apelação Criminal 100.223-3 – Candido Mota – 23.01.91)
EMENTA - N° 28859 - ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR – Não caracterização – Ausência de
violência física – Atos praticados com consentimento da vítima – Versões apresentadas por esta, que
se mostram em contradições – Réu de porte físico menor que o da ofendida, e que não se apresentava
armado – Comportamentos dos quais não se extrai violência reação – Absolvição decretada – Recurso
provido. Para que se configure o delito do artigo 224 do CP a oposição ao ato libidinoso deve ser
sincera e positiva, manifestando-se por inequívoca resistência, não bastando recusa meramente verbal
ou oposição passiva e inerte, apenas simbólica. (Ap. Criminal n. 182.101-3 – São Paulo – 2° Camara
Criminal Férias Julho/95 – Relator: Prado de Toledo – 12.07.95 – V.U.).
EMENTA – N° 71022 - ESTUPRO – Presunção de violência – Vítima de mau comportamento menos
de 14 anos – Relações sexuais mantidas anteriormente com outros homens – Circunstâncias que elide
presunção, de caráter relativo – Absolvição - Inteligência dos arts. 213 e 224, "a", do CP Ement.) RT
557/322.
No tocante aos crimes sexuais, a participação ou consentimento da vítima, é algo muito mais
sério do que imaginamos, pois mostramos anteriormente com algumas ementas que há casos de
absolvição em processos que envolvam conjunção carnal, sedução, atentado violento ao pudor,
estupro, etc.
Direitos das vítimas
Basicamente os direitos das vítimas consistem em tratamento justo e respeito à sua dignidade
e privacidade; proteção contra agressor; informação sobre a tramitação processual, e garantia de
presença em corte; acesso ao acusador público; restituição das coisas indevidamente tomadas ou
apreendidas; informação sobre a condenação, a sentença, a prisão e a libertação do agressor.
A Declaração sobre os princípios fundamentais de justiça para as vítimas de delitos e do abuso
de poder, da ONU, deram a direção que foi seguida pela norma americana: garantia de ACESSO A
JUSTIÇA E TRATAMENTO JUSTO; tratamento com compaixão e respeito; Informação sobre seu
papel e alcance; assistência apropriada (legal, medica, psicológica); ressarcimento dos danos;
informação sobre a tramitação processual.
Direitos Humanos e Vitimologia
Direitos Humanos e vitimologia resultam de um novo olhar sobre as vítimas, como
conseqüência dos horrores da 2ª Guerra e do nazi-fascismo. Não é obra do acaso o fato de o primeiro
instrumento vinculante, promulgado no âmbito da ONU, ter sido a Convenção contra o Genocídio, em
9 de dezembro de 1948, um dia antes da promulgação da Declaração Universal de Direitos Humanos.
A vitimologia é uma espécie de "filha" da Criminologia, ou parte dela. Integra com esta última
os pilares das ciências criminais (ciência do direito penal, criminologia e política criminal). Analisa o
sistema de justiça e segurança. O seu objeto de estudo faz parte (estando contido) no âmbito de
atuação dos direitos humanos. O âmbito dos direitos humanos é mais amplo. Abrange os direitos civis
e políticos (como vida, liberdade, integridade física e mental, julgamento justo, propriedade, etc.), mas
também acrescenta os direitos econômicos, sociais e culturais, conhecidos como DESCs. Assim,
vítimas de fome, despejos forçados e coletivos, desemprego, discriminação, doenças, etc, são sujeitos
de direitos no direito internacional dos direitos humanos. O olhar solidário as enxerga, e as traz para
protagonizarem as lutas em defesa do reconhecimento e respeito de seus direitos.
Quanto ao modo de atuar, a interdisciplinaridade caracteriza tanto a criminologia e a
vitimologia quanto os estudos de direitos humanos.
No Brasil, o município de São Paulo editou, em 2001, Lei de Assistência às vítimas de
Violência. A norma, por sua importância seminal, segue transcrita na íntegra,
LEI N° 13.198, 30 DE OUTUBRO DE 2001
Dispõe sobre a assistência às vítimas de violência e dá outras providências.
MARTA SUPLICY, Prefeita do Município de São Paulo, no uso das atribuições que lhe são conferidas
por lei, faz saber que a Câmara Municipal, em sessão de 10 de outubro de 2001, decretou e eu
promulgo a seguinte lei:
Art. 1° - O Município, por intermédio de seus órgãos da administração direta ou indireta, prestará
assistência às vítimas de violência.
Art. 2° - Para efeitos desta lei, é considerada vítima de violência a pessoa que tenha sofrido lesão de
natureza física ou psíquica em conseqüência de ações ou omissões tipificadas como crime na
legislação penal vigente.
Parágrafo único - Nos crimes de homicídio, são equiparadas às vítimas de violência, para efeito de
concessão dos benefícios previstos nesta lei:
I - o (a) cônjuge, companheiro ou companheira sobrevivente;
II - os filhos e filhas da vítima;
Ill - ascendentes e descendentes em linha reta ou colaterais, até o terceiro grau, desde que
comprovem relação de dependência econômica com a vítima.
Art. 3° - A assistência às vítimas de violência, prevista no artigo 1° desta lei, consistirá em:
I - garantia de assistência médica e psicológica integral, de forma exclusiva ou subsidiária, durante
todo o tempo necessário à reabilitação das vítimas;
II - atendimento prioritário pelos programas sociais e assistenciais oferecidos pelo Município;
Ill - orientação e assessoria técnica para a proposição e acompanhamento de ações visando o
ressarcimento dos danos causados pela violência.
Art. 4° - O Poder Executivo regulamentará a presente lei no prazo de 60 (sessenta) dias, contados da
data de sua publicação.
Art. 5° - As despesas com a execução desta lei correrão por conta de dotações orçamentárias
próprias, suplementadas, se necessário.
Art. 6° - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, aos 30 de outubro de 2001
DECRETO N° 43.667, DE 26 DE AGOSTO DE 2003
Regulamenta a Lei n° 13.198, de 30 de outubro de 2001, que dispõe sobre a assistência às vítimas de
violência e dá outras providências.
MARTA SUPLICY, Prefeita do Município de São Paulo, no uso das atribuições que lhe são conferidas
por lei,
DECRETA:
Art. 1°. A Lei n° 13.198, de 30 de outubro de 2001, que dispõe sobre a assistência às vítimas de
violência, fica regulamentada na conformidade das disposições deste decreto.
Art. 2°. Caberá às Secretarias Municipais, no âmbito das respectivas competências, articular ações
voltadas à prevenção, ao atendimento e à redução dos casos de violência, priorizando aqueles
motivados pelo gênero ou praticados contra crianças e adolescentes.
Parágrafo único. Os casos de violência cometidos contra crianças ou adolescentes serão comunicados
pelas Secretarias Municipais que deles tiverem conhecimento ao Conselho Tutelar do domicílio dos
respectivos pais ou responsáveis ou, na sua ausência, do lugar onde se encontre a vítima, nos termos
do disposto nos artigos 138 e 147 da Lei Federal n° 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança
e do Adolescente).
Art. 3°. Fica instituído o Comitê Gestor, composto por representantes das Secretarias Municipais de
Assistência Social, da Saúde, de Segurança Urbana e de Educação, bem como das Coordenadorias
Especiais da Mulher e dos Assuntos da População Negra, visando ao desenvolvimento de ações e à
implantação e manutenção de um sistema de informações relativas ao atendimento às vítimas de
violência.
§ 1°. A coordenação do Comitê Gestor caberá à Secretaria Municipal de Assistência Social.
§ 2°. O Comitê Gestor contará com o apoio de uma Comissão Consultiva, constituída por
representantes de organizações não-governamentais e universidades, cuja composição e atribuições
serão definidas por portaria da Secretaria Municipal de Assistência Social.
Art. 4°. A Secretaria Municipal de Assistência Social será o órgão local de referência para o
atendimento de que trata este decreto, centralizando, por intermédio do Comitê Gestor, as informações
referentes aos casos atendidos de vítimas de violência, devendo tais dados apontar, obrigatoriamente,
o número de casos assistidos e o respectivo tipo de violência, relacionados por Subprefeitura e distrito
de ocorrência, na forma prevista em portaria.
§ 1°. Na disponibilização dos dados mencionados no "caput" deste artigo, deverá ser mantido sigilo
quanto à identidade das vítimas, a fim de garantir sua privacidade e segurança, podendo ser efetivada
mediante solicitação, por escrito, de indivíduos devidamente identificados, nos seguintes casos:
I - a pedido da vítima;
II - por requisição de autoridades policiais, judiciárias e do Ministério Público;
Ill - para pesquisas científicas, cujo Protocolo de Pesquisa esteja devidamente aprovado pelo Comitê
de Ética em Pesquisa - CEP que referenda a investigação, conforme disposto nas Diretrizes e Normas
Regulamentadoras de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, vigentes no território nacional, sob a
condição de que, em nenhuma hipótese, serão divulgados dados que possibilitem a identificação das
vítimas.
§ 2°. O Comitê Gestor emitirá relatórios trimestrais relativos às informações referidas no "caput" deste
artigo, omitindo todos os dados que permitam a identificação das pessoas atendidas.
Art. 5°. Compete à Secretaria Municipal de Assistência Social:
I - expandir os núcleos de atendimento regionalizados, preferencialmente nas Subprefeituras e sempre
em seu território de abrangência, compostos por profissionais das áreas de saúde e por assessoria
técnica gratuita, para o atendimento integral às vítimas de vidência do Município de São Paulo;
II - identificar, no âmbito de suas ações, os casos que apresentam características vitimárias, inserindoos
prioritariamente nos serviços e programas existentes e encaminhando-os aos demais serviços de
apoio a cargo de outros órgãos;
Ill - garantir a capacitação profissional contínua e a supervisão técnica às equipes multiprofissionais de
atendimento às vítimas de violência.
§ 1°. Os núcleos de atendimento mencionados no inciso I do "caput" deste artigo prestarão serviços de
acolhimento, atendimento, triagem para adequação dos casos a serem atendidos aos serviços e
programas existentes no âmbito municipal, educação para os direitos humanos e assessoria técnica
gratuita, que possibilite a propositura e o acompanhamento de ações visando ao ressarcimento de
danos materiais e morais causados pela violência.
§ 2°. O Executivo Municipal poderá firmar convênios com universidades e organizações da sociedade
civil para a efetivação das medidas e finalidades previstas neste artigo.
Art. 6°. Compete à Secretaria Municipal da Saúde - SMS:
I - oferecer atendimento médico e psicológico integral, de forma exclusiva ou subsidiária, durante todo
o tempo necessário à reabilitação das vítimas;
II - encaminhar as vítimas de violência e seus familiares, se for o caso, às Secretarias competentes,
para a inserção em programas e serviços de assistência social existentes, nos quais poderão ter
prioridade de atendimento, sempre que possível;
ill - encaminhar as vítimas de violência aos núcleos pertencentes à Secretaria Municipal de Assistência
Social ou à rede conveniada local de atendimento, para orientação e prestação dos serviços previstos
no § 1º do artigo 5° deste decreto.
Parágrafo único. O encaminhamento das vítimas de violência pelos serviços de saúde pública da rede
municipal será feito pelo profissional de saúde que realizou o atendimento inicial ou pelo profissional
de assistência social lotado na unidade.
Art. 7°. A Secretaria Municipal de Segurança Urbana - SMSU utilizará as informações e dados
estatísticos relativos a vítimas de violência no Município de São Paulo, enviados pela Secretaria
Municipal de Assistência Social, na elaboração de políticas vinculadas a suas competências.
Art. 8°. As Subprefeituras e as Secretarias Municipais que prestam atendimento direto à população
capacitarão seus servidores, a fim de identificarem, dentre os usuários de seus serviços, aqueles
expostos a situações de violência, de modo a orientá-los a recorrerem ao atendimento adequado.
Art. 9°. Os programas e serviços de assistência às vítimas de violência serão instalados primeiramente
em áreas da Cidade de São Paulo com registro de maiores índices de violência.
Art. 10. As despesas com a execução deste decreto correrão por conta das dotações orçamentárias
próprias, suplementadas se necessário.
Art. 11. Este decreto entrará em vigor na data de sua publicação.
PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, aos 26 de agosto de 2003, 450° da fundação de São
Paulo.
Prevenção do Delito
CRIMINOLOGIA PREVENCIONISTA
A base da sistemática prevencionista está no conceito de Criminologia Prevencionista.
Conceito de Criminologia Prevencionista
Criminologia Prevencionista é uma ciência humana e social que estuda:
1- o homem criminoso e os fatores criminógenos ou causas que contribuem para a formação de seu
caráter perigoso e/ou anti-social;
2 - a criminalidade, como o conjunto de criminosos e seus crimes, numa determinada região e num
determinado tempo, suas geratrizes, sua nocividade ou periculosidade e suas oscilações em
decorrência de medidas que se implementem contra ela;
3 - solução. Esta só poderá ser alcançada à nível de segurança pública e paz social, pela prevenção
do crime, em duas fases:
1a) Fase de Pré-delinqüência - através de políticas governamentais, capazes de evitar ou eliminar os
fatores criminógenos ou causas do caráter criminoso do delinqüente.
2a) Fase de Pós-delinqüência - através da prevenção da reincidência, por meios de mecanismos,
critérios, medidas e ações capazes de recuperar ou ressocializar os criminosos perigosos e/ou antisociais
e integrá-los à comunhão social como cidadãos decentes.
PRINCÍPIOS BÁSICOS DA CRIMINOLOGIA PREVENCIONISTA
1 - Existencialismo Absoluto da relação Causa-Efeito
Nada existe sem causa geradora.
2 - Só pela Prevenção será possível neutralizar as Causas ou Fatores Criminógenos
Evitada ou eliminada a causa, não há como surtir efeito.
3 - A Solução para o problema criminal está em transformar o Mau Caráter para Bom Caráter
A vontade está sempre vinculada ao caráter. O caráter é que empresta à vontade a disposição para os
atos. A vontade não age por si só, mas de acordo com o caráter. Se o caráter é bom (moralmente
bem-formado), a vontade não vai agir para a consecução de fins maus; se o caráter é mau
(moralmente mal-formado), a vontade só pode agir para a consecução de fins maus.
REGRA - Se o crime decorre da má formação do caráter, basta que os pais e educadores, formem
bem e moralmente o caráter das crianças e dos adolescentes para que não se tenha, no futuro,
criminosos perigosos e anti-sociais e, se assim mesmo ocorrer o crime, basta depurar o caráter
moralmente mal-formado, através de um processo restaurador, resgatando-se a dignidade daquele
que a perdeu, oportunizando-se com isso, a sua volta à comunhão social.
A sociedade não pode conviver com indivíduos perigosos e anti-sociais.
EXCEÇÃO A ESTA REGRA - o mau caráter resulta tanto de fatores exógenos como endógenos. Se o
mau caráter resultou de fatores exógenos ou fatores sociais, a raiz do problema é apenas moral e o
criminoso é passível de recuperação por meios pedagógicos (laborpsicoterapia) e o índice da
incidência, neste caso, é de 90 a 95%, mas se resultou de fatores endógenos, o seu portador só pode
ser recuperado por meios médico-psiquiátricos, desde que isso seja possível ou viável (5 a 10%).
FATORES CRIMINÓGENOS COMO FONTES DE ABASTECIMENTO DO CRIME NA SOCIEDADE
Conceitos Gerais sobre Causa-Efeito
Causa é tudo o que provoca uma conseqüência ou um resultado. Obviamente que efeito é a
conseqüência ou resultado da causa.
O criminologista brasileiro, ORLANDO SOARES, em seu livro "CRIMINOLOGIA", 1976,
falando de "Fatores Criminógenos" e "Fenômenos Sociais", declara: "considera-se fator aquilo que
pelas suas características ou condições, contribui ou concorre para um resultado, isto é, torna viável o
efeito, servindo-se de nexo, entre este e a causa, relacionando-os naturalmente". Mas, assim como em
Matemática, um só fator não dá produto, o caráter criminoso não resulta de um só fator.
Nada ocorre ao acaso. Não há geração espontânea. Todos os fenômenos, tudo o que for
capaz de impressionar os sentidos humanos, produz-se devido a relação causa e efeito.
Como já vimos, os fatores criminógenos são divididos em fatores exógenos e endógenos. Os
fatores exógenos são os fatores sociais como os sócio-familiares, sócio-educacionais, sócioeconômicos,
sócio-ambientais (más companhias) e outros concorrentes como migração, favelização,
adensamento populacional, mídia, drogas, álcool, prostituição, corrupção, porte de armas, etc.
Nos fatores endógenos, se encontram várias modalidades de portadores de personalidade
psicopáticas, neuróticas e doenças mentais, manifestadas no ser humano e reveladas através de
desvios da conduta deformada – anômala ou anormal em relação aos padrões socialmente aceitáveis.
POLÍTICA CRIMINAL DE PREVENÇÃO DO DELITO
Prevenção do delito
A constante busca de um ideal, seja moral, religioso, político ou social, tem caracterizado
sempre a aventura humana. Essa permanente indagação deu origem a determinadas crenças,
algumas das quais, pelo seu caráter perene e pela distância as separa da realidade observável, têm-se
transformado às vezes em mitos de grande importância. Esses mitos dominam numerosos aspectos
da vida social, sendo especialmente abundantes no setor da justiça penal. Um deles é o da prevenção
da delinqüência.
Existe um consenso generalizado em considerar que a prevenção do delito constitui um
objetivo importante do sistema penal. Afirma-se com freqüência que é melhor prevenir o crime do que
reprimi-lo. De forma mais concreta, quase todos os especialistas na matéria estimam que a prevenção
do delito representa, senão a principal função, pelo menos uma das funções mais importantes e
tradicionais da polícia.
Apesar de certos filósofos terem abordado esse tema há muito tempo e dado ainda que
diversas instituições jurídicas parecem ter respondido a idênticas inquietações, a preocupação com a
prevenção do delito é uma tendência atual. O direito clássico não poderia acolhê-la na medida em que
o legislador, para efeitos da sanção penal, pretendia da injúria feita contra a lei ou simplesmente a dor
do dano causado pela infração. A noção moderna de prevenção aparece timidamente com a escola
clássica, segundo a qual a pena exerce uma importante função de intimidação geral, mas tem a sua
verdadeira origem na escola positiva de finais do século XIX.
Entre as principais razões que colocaram em evidência a necessidade de novos enfoques em
relação à prevenção, devem ser mencionadas as seguintes:
1) o aumento da delinqüência grave e o aparecimento de novas formas de criminalidade;
2) as repercussões do delito na sociedade (lesões, perdas econômicas, impacto emocional, efeitos
desfavoráveis sobre a qualidade de vida, etc.) e, em particular,em determinados grupos (pessoas
idosas, deficientes físicos, mulheres, crianças, etc.);
3) o sentimento de insegurança cada vez maior dos cidadãos e suas conseqüências (inibição,
desconfiança, angustia, solicitação de medidas repressivas, mudanças nas condutas normais,
organização de sistemas coletivos de proteção, utilização com fins políticos ou partidários do
sentimento de medo do crime, etc.);
4) os custos cada vez mais elevados do conjunto do sistema penal e, em particular, dos serviços
policiais, assim como os custos indiretos do delito (sistemas de segurança, seguros, etc.);
5) a baixa percentagem de solução do delito;
6) a pouca participação do público no funcionamento da justiça penal e a insatisfação generalizada da
população em relação ao conjunto do sistema penal;
7) a ausência de parâmetros para a articulação de uma política criminal moderna e progressista.
Com relação à prevenção, as principais carências são:
1) a imprecisão e inadequação do significado desse termo;
2) por um lado, a falta de informação e de conhecimentos nesse setor e, por outro lado, e,
paradoxalmente, a proliferação de programas;
3) a ausência de continuidade nas ações empreendidas;
4) a falta de coordenação entre os órgãos que se ocupam da prevenção e a carência de
responsabilidades precisas desses órgãos;
5) o pouco apoio profissional e material necessário para uma ação eficaz nesse setor;
6) a relativa ausência de participação da comunidade na prevenção do delito.
Finalmente, no que tange à prevenção policial, devem ser assinaladas as seguintes lacunas:
1) a existência de diversas concepções sobre o que deve ser a sua ação preventiva;
2) uma certa confusão sobre os objetivos da polícia (prevenção, repressão, detecção do delito, etc.);
3) a existência de poucos policiais que receberam uma formação suficiente sobre as técnicas e os
métodos preventivos;
4) muitos programas mal concebidos ou mal aplicados;
5) são poucos os recursos humanos e materiais destinados à prevenção;
6) são também raras as avaliações sobre os programas desse tipo colocados em pratica pela polícia;
7) alguns deles não se prestam a uma fácil avaliação.
Conter o crescimento da violência através da elaboração de políticas de segurança pública que
respondam com menos repressão ao complexo conjunto de problemas sociais, é o grande desafio de
toda sociedade democrática.
Grandes períodos de estagnação econômica ratificam as tensões sociais, muitas vezes
manifestadas pelo aumento da criminalidade urbana violenta através de roubos, assaltos, sequestros,
desenvolvimento e/ou fortalecimento do crime organizado. Porém, ao menos em relação ao
desemprego, o sentido de causalidade do aumento da criminalidade permanece, ainda, um parâmetro
amparado por truísmos sem muita evidência empírica que auxilie em sua compreensão. Análises da
relação direta entre taxas de desemprego e de criminalidade ficam prejudicadas pelo fato de as suas
conseqüências serem sentidas apenas tardiamente, a partir do momento em que começam a exaurir
os recursos e as esperanças do desempregado.
Na atualidade, as ciências voltadas para a temática criminal buscam compreender o crime
como um fenômeno global, conseqüência da atuação conjunta de seus componentes (ofensor,
ofendido e ambiente) sob a ação de fatores sócio-econômicos, políticos e culturais. Compreender a
dinâmica criminal não significa detectar os espaços de crimes/criminosos e suas características para
ações repressivas. Significa, antes de tudo, entender os processos operacionais do crime para
antecipar-se à sua ocorrência, prevenindo-o.
Políticas de segurança só poderão ser formuladas com o apoio de movimentos sociais e de
instituições como a universidade pública, capazes de estabelecer diagnósticos complexos que fujam
às respostas simplificadoras que inevitavelmente apenas apontam para a intensificação da violência
institucional. Ao dar crédito à relação de causalidade entre pobreza e criminalidade, corre-se o risco de
legitimar ações repressivas dirigidas ao segmento financeiramente desfavorecido.
A integração entre a pesquisa teórica e a ação poderá significar o desenvolvimento de novos
"modelos de eficiência" policial com embasamento científico, fugindo-se dos "achismos" costumeiros.
Acreditamos que a elaboração de formas democráticas de intervenção social, capazes de romper com
o círculo vicioso da brutalidade, depende do desenvolvimento de novos conhecimentos científicos a
serem aplicados no combate e prevenção à violência.
Entre outras disciplinas, a Moderna Criminologia está se consolidando como um
empreendimento interdisciplinar, constituído a partir de informações empíricas confiáveis sobre as
principais variáveis do delito, as suas características específicas (tempo oportuno, espaço físico
adequado, vítimas potenciais etc.) e as formas como interagem, sugerindo estratégias de prevenção
mais ousadas que vão além do ofensor, atinjam as vítimas, o espaço, o desenho arquitetõnico, e, no
âmbito generalizado da violência, contemplem as variáveis sociais como pobreza, desigualdade social
e qualidade de vida nos seus diversos âmbitos: saúde, educação e moradia entre outros.
É preciso considerar que a violência é muito mais ampla que a criminalidade. Como dizia
Ghandi, a pobreza é a pior forma de violência. Portanto, a sua prevenção deve se pautar por políticas
que intervenham positivamente nas suas causas últimas que são o esfacelamento das relações sociais
e a carência de atendimento às necessidades básicas e de outros serviços que valorizem a cidadania.
Sob essa ótica, também a prevenção criminal deve ser comunitária, inter e multi-institucional,
inter e multidisciplinar. Se a universidade consegue formular problemas, alternativas e soluções, em
âmbito teórico, os Órgãos de Segurança formulam ações, estruturações técnicas baseadas em
"modelos de efetividade e eficiência" que devem ser subsidiadas pela pesquisa científica.
Dessa interação, a sociedade é a maior beneficiária. Ações isoladas dos Órgãos de Segurança
Pública apenas deslocam a criminalidade sem, contudo, atingirem as suas causas.
É sabido que vários programas bem-sucedidos de controle da criminalidade vão além do
Sistema de Justiça Criminal e podem estar fora do controle das organizações formais. Programas de
ação, integrados entre o Estado e a sociedade são muito mais eficazes, indubitavelmente.
A Teoria da Dissuasão (Deterrence Theory), que credita apenas às organizações do Sistema
de Justiça Criminal a responsabilidade pelo controle da criminalidade está sendo re-avaliada com
sérias críticas. Para GARCIA-PABLOS DE MOLINA (1992: 262), mais e melhores policias, mais e
melhores juízes, mais e melhores prisões [...] significa mais infratores na prisão, mais condenados,
porém, não necessariamente, menos delitos. Uma substancial melhora da efetividade do sistema legal
incrementa, desde logo, o volume do crime registrado, se apuram mais crimes e reduz a distância
entre os números "oficiais" e os "reais" (cifra negra). Porém, não por isso se evita mais crime nem se
produz ou gera menos delitos em idêntica proporção: só se detecta mais crimes.
Enquanto a Polícia Militar é a instituição responsável pelo policiamento ostensivo, prevenindo e
reprimindo crimes, auxiliando, orientando e socorrendo os cidadãos; a Polícia Civil é responsável pela
prevenção indireta através da investigação para a solução dos crimes – ambas, portanto, em contato
direto com a população.
Nesse sentido, não mais se concebe uma polícia apartada dos inúmeros problemas sociais
enfrentados pelos membros de sua comunidade. A atuação da polícia preventiva deve pautar-se pelo
conhecimento do contexto social em que está atuando. Quanto maior o conhecimento, melhor a
qualidade de manutenção da ordem, pois o comportamento policial corresponderá à necessidade de
melhoria de qualidade de vida, no aspecto segurança, proporcionando a oportunidade de elevar o nível
de cidadania.
O Desenvolvimento de uma nova concepção de ordem pública pelo caminho da reeducação da
polícia e da população, num processo de conscientização de seus papéis, é o primeiro passo. Além do
desempenho de suas funções tradicionais, os policiais devem instruir os cidadãos sobre regras básicas
de prevenção ao crime, participar de reuniões com os moradores (Associações de Bairros) para a
organização de estratégias coletivas e intermediar o contato dos cidadãos com outras agências
(governamentais ou não) na busca de soluções para a comunidade. Nesse sentido, também a
participação do poder executivo municipal é essencial através de suas diversas secretarias como
educação e cultura, habitação e planejamento urbano, saúde, bem-estar social.
Por outro lado, a população será reeducada para o exercício da cidadania nos dois sentidos:
direitos e deveres. Ato contínuo, ao estabelecer contato com os órgãos oficiais para reivindicar
benefícios, a comunidade conhecerá as potencialidades, competências e limitações da polícia, e se
conscientizará da sua responsabilidade no processo. Com essa aproximação, também as ações
policiais se tornam mais transparentes, reduzindo as arbitrariedades e violências.
Nunca é demais ratificar que a universidade é hoje o principal espaço de surgimento de idéias
e projetos que podem tornar melhor a vida da população em todos os aspectos, bastando sair de sua
tradicional política intramuros. E a prevenção criminal, apesar de ser prioritariamente uma questão de
segurança pública, pode e de deve ser inserida não apenas em suas preocupações teóricas mas
contemplada por ações de extensão à comunidade via participação nas políticas de ação social.
Políticas criminais para a prevenção de delitos:
investimentos em pesquisas sistemáticas que coloquem suas conclusões à disposição dos
segmentos da sociedade, preocupados com a qualidade de vida humana e com a redução nos níveis
de violência;
prevenção primária através de programas político-sociais que se orientem para a valorização da
cidadania, dando atendimento às necessidades básicas como emprego, educação, saúde, habitação,
lazer etc.;
reestruturação urbana dos espaços conflitivos, incidindo positivamente no habitat físico e
ambiental, com implicações na ativa prevenção do delito e dos riscos para o delinqüente, porém,
fomentando-se atitudes positivas de solidariedade e responsabilidade pois a barreira física, apenas,
leva a outros delitos e ao desenvolvimento de técnicas ofensivas mais elaboradas;
prevenção de reincidência dos condenados através da ressocialização. Apesar de ser um
programa de tratamento, indiretamente também é preventivo devido à enorme reincidência - há muito
mais delitos que delinqüentes;
substitutivos penais para os infratores eventuais de crimes sem gravidade, sem índole e
habilidade criminosas, mas que poderão desenvolvê-las em contato com os condenados das prisões.
O substitutivo penal também evita a estigmatização;
ações públicas e comunitárias dirigidas ao jovem, grupo mais vulnerável à criminalidade em geral
(como autor ou vítima), e com participação elevada nos índices de morte violenta, a chamada "morte
evitável". Programas de orientação cognitiva (treinamento e aquisição de habilidades) podem ser
altamente positivos para o extravasamento da violência e das frustrações, canalizando-as para ações
positivas. Sabendo-se que a maior parte dos jovens delinqüentes tem família, mesmo que
desestruturada, é dever dela (família), da escola, através das organizações civis e do poder público
promover ações educativas e reintegradoras do jovem à sociedade;
desenvolvimento de pesquisas independentes através de surveys de vitimização, mais realistas
que as estatísticas oficiais. A grande distância entre a criminalidade "real" e a "registrada" denuncia,
também, as imunidades institucionais da classe média e alta, que faz os seus componentes serem
menos detectados e/ou detidos e processados, e, em menor grau ainda, condenados;
campanhas de prevenção vitimária, articuladas pelos meios de comunicação, de mudança de
comportamento das pessoas integrantes dos chamados "grupos de risco", potencialmente sujeitas a
vitimização - to be in the wrong place at the wrong time. Diversos estudos na área de Saúde Pública
consideram agressão e direção perigosa, características de pessoas similares com tendências suicidas
e/ou homicidas;
programas de mudança de mentalidade da polícia e da sociedade em geral sobre a necessidade
de reportagem dos crimes para a redução da criminalidade oculta. O aparato de controle envolve as
atitudes da vítima e da polícia (ignorar ou registrar), que por sua vez está condicionado também ao
grau de confiança que esta inspira àquela;
programas de sensibilização e solidariedade à vítima, especialmente dos crimes sexuais, que
são altamente subestimados por seu caráter estigmatizante;
programas de redução de circulação de armas de fogo para uso particular. Diminuindo o número
de armas de fogo em circulação haveria redução na mortalidade, mesmo que não reduzisse a
violência, devido à alta letalidade dessas armas. Ademais, indiretamente estaria deixando de armar o
bandido que tem na vítima uma das formas de aquisição desse instrumento. Paralelamente, a
vigilância nas fronteiras também seria uma forma de desarmamento já que a origem da maior parte
das armas em circulação é externa ao país.
reavaliação do conteúdo disciplinar das escolas de formação de policiais (civil e militar), dando
maior ênfase às humanidades. A atuação policial reveste-se, muitas vezes, de tanta arbitrariedade e
violência, que desvirtua a sua tarefa de proteção do cidadão e manutenção da ordem pública.
Implantação definitiva da polícia comunitária, vista como uma nova filosofia de comportamento
integrado com a sociedade. A integração dos segmentos (polícia e comunidade) reduz a violência
policial e aumenta a conscientização da sociedade para a sua responsabilidade no processo criminal.
Políticas públicas de prevenção da violência e a prevenção vitimária
Segundo a criminologia moderna, a violência não é somente um problema da polícia e os
esforços no seu combate não devem ser direcionados somente ao infrator. Falar sobre combate a
criminalidade é falar principalmente sobre prevenção. A melhor forma de se combater ou diminuir a
criminalidade é alcançando o crime em suas causas, suas raízes, não suas consequências.
Mas o que podemos entender como prevenção da criminalidade? Garcia-Pablos de Molina
afirma que a criminologia clássica direciona todos os seus esforços preventivos para o infrator pois
entende a ameaça da aplicação da pena como modo eficaz de neutralizá-lo. "Não existe, pois, outro
possível destinatário dos programas de prevenção criminal, tendo em vista o protagonismo absoluto
que se outorga ao delinqüente" (Molina & Gomes, 1997: 74).
É como se o infrator fizesse um balanço entre os custos e benefícios caso cometa o crime, e
de uma maneira refletida, decide consumá-lo. E a Teoria da Escolha Racional, onde o indivíduo
confronta, de um lado, o volume da punição, e principalmente as probabilidades de detenção e
aprisionamento, e de outro, o custo da oportunidade de cometer crime, os potenciais ganhos
resultantes da ação criminosa, traduzido como salário alternativo no mercado de trabalho (Becker,
1968) e então decide sua participação em atividades criminosas a partir desta avaliação entre ganhos
e perdas.
Já a moderna criminologia aceita a possibilidade de diminuir a delinqüência através de
diversas outras formas que não exclusivamente o delinquente, destacando as formas de prevenção
primária, secundária e terciária.
A prevenção primária ressalta a educação, a habitação, o trabalho, a inserção do homem no
meio social, a qualidade de vida, como elementos essenciais para a prevenção do crime, elementos
estes que operam sempre a longo e médio prazo e se dirigem a todos os cidadãos. São estratégias de
política econômica, social e cultural, cujo objetivo primário seria oferecer qualidade de vida ao cidadão,
e último seria dotar o cidadão de capacidade social para superar eventuais conflitos de forma
produtiva.
A prevenção secundária atua mais tarde, nem quando nem onde o conflito criminal se produz
ou é gerado mas onde se manifesta ou se exterioriza. Opera a curto e médio prazo e se orienta
seletivamente a grupos concretos, ou seja, grupos ou subgrupos que ostentam maiores riscos de
padecer ou protagonizar o problema criminal. São exemplos a política legislativa penal e a ação
policial, políticas de ordenação urbana, controle dos meios de comunicação.
A prevenção terciária tem um destinatário perfeitamente identificável, o recluso, o condenado,
e um objetivo certo, qual seja o de evitar a reincidência através de sua ressocialização.
A seguir, trataremos dos principais programas de prevenção, em teoria, e as devidas correntes
criminológicas nas quais se inspiraram.
Principais programas de prevenção
Prevenção sobre áreas geográficas: é nos núcleos urbanos industrializados que se identifica a
concentração dos mais elevados índices de criminalidade, por serem áreas muito deterioradas, pobres
de infra-estrutura, e com significativos níveis de desorganização social. E com base na Escola de
Chicago que se faz uma análise sobre a expansão das cidades e o fenômeno da industrialização, de
onde emergem novos fenômenos sociais, a partir das provocadas mudanças na ordem econômica,
demográfica e espacial. É desse turbilhão que surge um novo ambiente, marcado por grandes
desigualdades e propício ao surgimento de condutas desviadas, muitos deles tipificados pela
legislação como crime.
O crime é então um produto social do urbanismo. Essa teoria baseia-se na perspectiva de vida
coletiva como um processo adaptativo consistente de uma interação entre meio-ambiente, população e
organização (Freitas, 2002). O comportamento humano é visto como sendo moldado por vetores
sócio-ambientais, portanto, o crime não é considerado um fenômeno individual, mas ambiental, no
sentido de que o ambiente compreende os aspectos físico, social e cultural da atividade humana.
Sugere-se então atitude de intervenção dos poderes públicos nestas áreas marginalizadas,
com programas de reordenação urbana, melhoria de infra-estrutura, oferecimento de serviços públicos
básicos. A prevenção do delito também pode acontecer por meio da reestruturação física ou
urbanização dos bairros, procurando-se assim neutralizar o risco criminógeno ou vitimário de certos
espaços, a partir, por exemplo, de medidas de melhoramento das vias de acesso as residências ou
local de trabalho, melhorias na iluminação, no sistema de transporte público e da criação de pontos de
observação ou vigilância. Seriam espécies de barreiras ao crime, que dificultariam o acesso e
incrementariam o risco para o infrator potencial.
Todavia, devemos observar a possibilidade desta política de prevenção se tornar em política
de conteúdo ofensivo e discriminatório, com base no entendimento segundo o qual a criminalidade
estaria concentrada nos locais de alta densidade demográfica, e menos favorecidos. Seriam então
vítimas de discriminação principalmente os cidadãos marginalizados, pois frequentemente residem nos
ambientes onde há grande concentração demográfica e falta de estrutura urbana. Desta forma, o
público alvo destes programas seriam com frequência os marginalizados, ou aqueles que pelo fato de
estarem à margem numa série de aspectos, habitam nos bairros menos favorecidos ou mais
conflituosos.
Prevenção dirigida à reflexão axiológica: seria a revisão de atitudes, de valores e de pautas de
comportamento. Para evitar certos comportamentos no futuro, faz-se necessário substituir os valores
sociais que os sustentam no presente. A criminalidade dos jovens e crianças é um exemplo, pois o
crime é aprendido, segundo a teoria do Aprendizado Social (ou da Associação Diferencial).
De acordo com Sutherland (apud Kuhn, 2002, 41) os indivíduos determinam seus
comportamentos a partir de suas experiências pessoais com relação a situações de conflito, por meio
de interações pessoais e com base no processo de comunicação. Desta aprendizagem, determinamse
os comportamentos favoráveis e desfavoráveis ao crime. Neste sentido, tanto os contatos pessoais,
como o contato com métodos e técnicas criminosas são formas de aprendizado que motivariam e
legitimariam o comportamento delituoso.
Sutherland então constrói nove hipóteses onde a primeira, a segunda e a quarta são
consideradas as mais relevantes. O comportamento criminal é apreendido (primeira hipótese). E dentro
do processo de comunicação com as outras pessoas (segunda hipótese) que a aprendizagem começa
pela transmissão e imitação de técnicas e de atitudes criminosas (quarta hipótese).
Esta teoria pode explicar claramente a delinquência juvenil dos bairros menos favorecidos das
cidades brasileiras. A sociedade adulta deveria passar mensagens de êxito ou triunfo pessoal, mas
não a qualquer preço. E ainda, não somente evitar comportamentos negativos, mas levar mensagens
e modelos positivos de conduta que outorguem um sentido a existência.
Todavia, são feitas críticas no que se refere a relação de causalidade desta teoria. São os
contatos com criminosos que levam o indivíduo a uma vida criminosa, ou o indivíduo criminoso procura
laços com grupos de criminosos?
Prevenção do delito de inspiração político social: boa parte da criminalidade de que uma
sociedade padece tem raízes em conflitos sociais, como situações carenciais, desigualdades, conflitos
não resolvidos. Isto fica bem claro a partir da teoria da Anomia, que deve ser entendida na perspectiva
de Durkheim (1897) e de Merton (1957).
Segundo Durkheim o crime é um fato social. O homem não vive num ambiente de eleição, mas
sujeito a uma ordem imposta, estabelecendo-se, assim, as condições para a produção do crime.
Introduzindo a teoria da anomia, Durkheim explica que o crime é uma manifestação de um
desregulamento social. O crime é fruto da estimulação de desejos, decorrentes da modernização.
Anomia significa uma falta, um espaço, um branco, que devido ao seu não preenchimento de forma
lícita, estimula no homem o institinto de preenchê-lo de qualquer maneira, ainda que de forma ilícita. A
modernização e a urbanização são fenômenos que provocam a anomia pois aumentam a quantidade e
a variedade de bens de consumo, mas ao mesmo tempo, provocam na sociedade uma insuficiência de
bens, pois nem sempre são disponíveis. Ainda mais, a satisfação do homem é evolutivamente
refinada. Desta forma, a anomia é a distância entre o crescimento de bens disponíveis e a evolução
dos desejos do homem.
Quanto mais a sociedade se moderniza, mais será anomica pois os desejos do homem serão
sempre maiores que os recursos disponíveis. Em período de crise econômica por exemplo, onde
produção e recursos diminuem de maneira brutal, os desejos humanos continuam a crescer. Não há
então uma equivalência ou adaptação entre ambos.
Merton (1957) reformulou a teoria de Durkheim trazendo uma nova abordagem. Segundo ele a
motivação para a delinqüência decorreria da impossiilidade de o indivíduo atingir as metas desejadas
por ele, como o sucesso econômico. Esse modelo de explicação funcionalista consiste em reportar o
crime a uma possível contradição entre estrutura social e estrutura cultural. A cultura, em determinado
momento do desenvolvimento de uma sociedade, propõe ao indivíduo determinadas metas, como, por
exemplo, um certo nível de bem-estar e de sucesso econômico, o carro X, a roupa Y. Proporciona
também modelos de comportamento institucionalizados que resguardam que aquelas metas deverão
ser alcançadas através de meios legítimos.
Todavia, pode existir desproporção entre os fins culturalmente reconhecidos como válidos e os
meios legítimos de que dispõe o indivíduo para alcançá-los. E esta desproporção está na origem dos
comportamentos desviantes. A Anomia é, portanto, "crise da estrutura cultural, que se verifica
especialmente quando ocorre uma forte discrepância entre normas e fins culturais, por um lado, e as
possibilidades socialmente estruturadas de agir em conformidade com àquelas, do outro lado" (Merton,
1957).
Em síntese, inspirado por Sutherland, Merton explica que existem sociedade extremamente
pobres (carência de bens disponíveis, anômicas) onde os índices de criminalidade são baixos, como
na India. Então não seria necessariamente a falta de bens de primeira necessidade o que é
determinante, mas sim a tensão resultante da estrutura social destes países onde encontramos
desigualdade. A criminalidade é resultado da distância entre o desejo de vencer na vida e os meios
disponíveis para vencer na vida, como educação, saúde, trabalho e dinheiro (apua Kuhn, 2002).
Observando o contexto social do nosso país, a tensão decorrente do modo de vida advindo
dessa estrutura nos faz concluir que temos que buscar suporte principalmente nesta teoria, para
justificarmos o aumento da criminalidade, e assim, portanto, tentar buscar soluções de caráter
principalmente social que possam amenizar o problema. Uma ambiciosa política social se converte
então no melhor programa de prevenção criminal, já que pode intervir nas causas, do qual o crime é
um mero sintoma ou indicador.
Prevenção Vitimária: é a prevenção a partir da vítima, verificando o seu potencial vitimal. A partir da
consciência do papel ativo da vítima na dinâmica do delito, a prevenção vitimária sugere uma
intervenção nos grupos de vítimas potenciais que ostentam, por diversos motivos, tais como condição
social, física, idade, sexo ou origem, maiores riscos de sofrerem agressões. "O crime é um fenômeno
altamente seletivo, não casual, nem fortuito ou aleatório: busca o lugar oportuno, o momento
adequado, e a vítima certa também. A condição de vítima – ou risco de chegar a sê-lo – tampouco
depende do azar ou da fatalidade, senão de certas circunstâncias concretas, suscetíveis de
verificação" (Molina & Gomes, 1997: 75).
É a teoria da ocasião ou do situational approach, segundo a qual o homem é influenciado por
elementos que estão ao seu redor para a prática do crime. Desta forma, segundo o estilo de vida da
vítima (life style model, de Hondenlang, Gottfredson e Garofalo, 1978), o risco de se sofrer uma
vitimização pode também ser maior, bastando que a vítima potencial encontre um autor motivado.
No aspecto prevencional, a teoria da ocasião de certa forma contribuiu para algumas
inovações na política criminal. A noção de hot spots trouxe para as discussões criminais a
preocupação com locais onde exista uma concentração de causas que possam levar ao crime, como
bairros menos favorecidos e marginalizados, ou locais freqüentados pela noite, ainda que em bairros
mais favorecidos, mas onde se possa encontrar uma combinação de fatores que possam levar ao
crime, tais como drogas, bebida e dinheiro
Ainda segundo a mesma teoria da ocasião, o segundo aspecto a ser observado para a
prevenção vitimária seria a rotina de vida: routine activity approach (Chen & Felson, 1979). Não
somente o lugar que a vítima freqüenta é importante, mas também sua rotina de vida. O crime é
cometido quando o autor motivado encontra sua vítima potencial e desprotegida. Desta forma, há um
equilíbrio entre as condições objetivas que oportunizam o crime, e as condições objetivas produzidas
pela própria vítima, a partir da sua rotina.
Sondagens de vitimização foram feitas em alguns países da Europa, na intenção de mesurar a
criminalidade oculta e traçar o perfil das vítimas mais freqüentes de crimes. Perguntou-se ao
entrevistado se já havia sido vítima de algum delito, qual delito, em que período, em que lugar, quais
as características do infrator, se o infrator era conhecido, qual foi o prejuízo advindo do crime, se o fato
foi noticiado à autoridade competente e se houve intervenção desta (Killias, 2001; Molina & Gomes,
1997).
O que foi identificado nestas pesquisas, além da total discordância entre os delitos registrados
na polícia e os índices de vitimização detectados pela pesquisa, principalmente nos delitos sexuais, foi
que alguns delitos podem ser evitados a partir do momento em que se conhece o público alvo das
infrações e as condições físicas em que estes se desenvolvem Com frequência, são mais vítimas de
violência pessoas que tem uma rotina mais agitada, e que declaram passar mais tempo fora do que
dentro de casa, seja trabalhando ou se divertindo. Inclui-se ai os índices de violação de domicílio, que
aumenta também entre as pessoas que viajam com mais freqüência (Kiuias, 2001). É comum que a
vítima conheça seu agressor, principalmente quando falamos de mulheres vítimas de violência. Os
jovens do sexo masculino e os que têm nível superior de escolaridade são o público mais
frequentemente alvo da criminalidade urbana (Kahn, 2002).
Isto demonstra a possibilidade de detectarmos os indicadores que convertem as pessoas em
candidatos à vitimização. Através de um estudo do comportamento, do perfil da vítima, e das
possibilidades que algumas têm de se tornarem vítimas, pelo meio em que vivem, ou por serem de
classes mais vulneráveis, tais como mulheres, crianças, idosos, estrangeiros, marginalizados,
podemos elaborar políticas criminais de segurança pública mais objetivas. Podemos verificar também
os locais e momentos mais prováveis de vitimização, trabalhando com estas pessoas de forma que
evitem estes espaços e comportamentos considerados mais perigosos, ou então que organizem sua
vida de forma a evitar sofrerem crimes, que assumam atitudes em defesa de seus próprios interesses,
desde o momento em que já conhecem o motivo que as torna mais vulneráveis.
O outro aspecto das políticas de prevenção vitimaria que é importante ressaltar é a cultura do
medo que estas políticas podem desenvolver. O medo que cidadãos, ou vítimas em potencial, passam
a desenvolver em seu psíquico através do mecanismo natural de auto-defesa.
Prognóstico Criminológico
O Exame Criminológico é uma perícia que visa dar um diagnóstico e prognóstico criminológico
Baseiam-se no exame médico-psicológico e social do delinqüente.
Com a investigação científica sobre os dados da personalidade relativos à inadaptação social e
à emendabilidade do indivíduo, levanta-se o seu diagnóstico criminológico. Por sua vez, o prognóstico
social é derivado do diagnóstico criminológico.
O exame médico-psicológico e social é utilizado com mais freqüência na fase da execução da
pena, na elaboração de programa de tratamento do condenado. E usado no processo tutelar do menor
infrator, antes da decisão do juiz.
O projeto de Código Penal Brasileiro prevê o exame criminológico para a fase anterior á
sentença. Deveria ser praticado nas hipóteses de cessação de periculosidade, na fase preparatória do
livramento condicional e na concessão da probation.
O exame criminológico é o fulcro da individualização da pena e do tratamento penitenciário.
Quando esse exame foi introduzido da legislação processual da França, sob influência de significativo
movimento internacional, observou-se que sua adoção importaria verdadeira revolução na justiça
penal.
O exame criminológico tem como função o estudo da personalidade do criminoso, bem como a
sua disposição para o crime, a sua periculosidade, a sua reação perante a pena e a possível correção.
Para a boa realização do exame criminológico, exige-se, além da formação profissional
específica, um bom conhecimento na área da criminologia clínica. É necessário que a mesma seja
exercida por uma equipe formada por diversas áreas de conhecimento, como o médico, o psicólogo, o
advogado etc.
Compõem os exames criminológicos: exames clínico psiquiátricos e psicológicos e
investigação social (que deverão culminar em um diagnóstico, um prognóstico, ou ainda uma
recomendação de tratamento.)
Deve ser observado se o indivíduo é primário ou reincidente, se já esteve preso, se seu caso
cabe a medida de segurança, quais os estabelecimentos correcionais passou, por quanto tempo, se
ele agiu só ou em bando na prática do delito, se o delito foi simples ou qualificado, se ouve agravantes
ou atenuantes, se foi infrator antes de 18 anos e se em caso positivo foi internado em instituições.
Esse exame é realizado em dois momentos:
a) Início do Cumprimento da Pena - previsto no Artigo 8, o condenado ao cumprimento de pena
privativa de liberdade, em regime fechado, deve ser submetido a exame criminológico para a obtenção
dos elementos necessários a uma adequada classificação, com vistas à individualização da
execução.
b) Para Obtenção de Benefício - segundo o Artigo 83 DO Código Penal, para receber o livramento
condicional, o condenado por crime doloso, cometido com violência ou grave ameaça à pessoa,
demonstrar condições pessoais que façam presumir que não voltará a delinqüir.
O exame criminológico pode ser subdividido em: exame morfológico, exame funcional, exame
psicológico, exame psiquiátrico, exame moral, exame social e exame histórico.
O Exame Morfológico:
É o exame mais adotado hoje em dia quando são usados dados comparativos, é um método
baseado na existência de três componentes: endomórfico, em que prevalece um acentuado
arredondamento em todas as partes do corpo, e mais evidentemente dos órgãos digestivos;
mesomórfico, que predomina a massa muscular os tecidos ósseos e conectivos determinando que a
forma corpórea assuma o aspecto de um retângulo e ectomórfico, existe a predominância de órgãos
de relação cérebro, sistema nervoso central, e órgãos sensoriais.
O temperamento é classificado de três maneiras: os viscerotônicos, que se caracterizam de
viver de maneira alegre e onde o hábito digestivo domina todas as outras manifestações da
personalidade; somatotónicos, predomina a atividade muscular, possuindo um vigor físico que orienta
seu modo de viver; os cerebrotônicos se destacam pelo predomínio total das funções da psique
superior e das funções cerebrais.
O exame morfológico, por não representar à realidade, leva em consideração fatores externos
à pessoa, como raça, e o meio social, além dos seus caracteres hereditários
O exame morfológico ou somático avalia o corpo humano de modo geral, determinando sua
massa corpórea, massa óssea e muscular, verificando também aspectos neurológicos, patológicos,
endocrinológico, para se fazer um exame individual completo e estabelecer as individualidades.
São utilizados sistemas médicos, odontológicos e técnicos policiais.
Exame Funcional:
Com este exame procura-se verificar se existe no criminoso sinal de atrofias, síndrome do
crescimento, fraqueza vital, são feitos exames, principalmente endocrinológicos.
Os exames funcionais vão a fundo nos exames das glândulas internas, verificando o
metabolismo do delinqüente, e a influencia das glândulas sobre o estado psíquico. Acredita que
doenças cardíacas, respiratórias, urogenitais e principalmente doenças do sistema nervoso, podem
influenciar o indivíduo na sua inclinação para o delito.
Exame Psicológico:
Descreve o perfil psicológico da pessoa examinada. E através da avaliação psíquica do
delinqüente que se pode conhecer os aspectos particulares, sua estrutura psicológica, e através disso
pode-se traçar o desenvolvimento e a dinâmica do delito.
O Exame psicológico deve ser o mais abrangente possível e devem reportar-se à pelo menos
aos três requisitos: nível mental do criminoso, os traços característicos de sua personalidade e seu
grau de agressividade.
Exame Psiquiátrico:
Através desse exame procura-se a existência de doenças psiquiátricas existentes nos
criminosos, antes ou depois da prática delitiva. E o mais importante exame criminológico, pois é ele
que dirá se o indivíduo é ou não imputável e se é possível uma possível redução de pena, nos caso
dos semi-imputáveis, na aplicação da medida de segurança. E o exame psiquiátrico que diz se o
delinqüente é mentalmente são.
Parecer Técnico
O Parecer Técnico é um documento elaborado pelas Comissões Técnicas de Classificação
(CTCs). Elas existem em cada estabelecimento, presidida pelo diretor e composta, no mínimo, por dois
chefes de serviço, um psiquiatra, um psicólogo e um assistente social, quando se tratar de condenado
a pena privativa da liberdade. Esse caráter interdisciplinar lhe dá um sentido mais amplo que o dos
Exames Criminológicos, que tem, exclusivamente, o caráter de laudo.
São funções das CTCs:
a) Classificação - deve classificar os condenados, segundo os seus antecedentes e personalidade,
para orientar a individualização da execução penal (LEP, Artigo 5).
b) Exame de Personalidade - visa definir o perfil daqueles que estão no sistema, para a obtenção de
dados reveladores da personalidade, podendo: entrevistar pessoas, requisitar informações a respeito
do condenado, e realizar diligências e exames necessários. E um exame mais profundo que o Exame
Criminológico, que só se preocupa com o binõmio delito/delinqüente.
c) Elaboração de Programas Individualizados - adequados ao indivíduo segundo seu perfil. Estes
programas devem ser elaborados juntamente com a comunidade (LEP Artigo 4).
d) Acompanhamento - da execução das penas privativas de liberdade e restritivas de direitos e dos
programas individualizados, avaliando o cumprimento dos objetivos propostos para os programas.
e) Proposição - elaboração de pareceres com propostas de progressões e regressões dos regimes,
bem como as conversões, sempre tendo em vista o desenvolvimento dos programas.
O parecer das CTCs não é considerado uma perícia, assim, não busca causas do crime, nem
prognósticos de evolução. Volta-se para dinâmica da execução, para o mérito, fazendo uma ampla
avaliação da situação do detento dentro do presídio. O parecer surge da interação da CTC com o
presídio. Deve transforma-se em um instrumento pedagógico, possibilitando que o preso conheça seu
teor e comporte-se segundo ele (efeito devolutivo).
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