CHACINA DO JACAREZINHO.



Em junho do ano passado o Supremo Tribunal Federal, estipulou, pela Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, que durante a pandemia operações policiais não urgentes em favelas sejam suspensas ou previamente comunicadas ao órgão. Dois passageiros do metrô foram baleados dentro de um vagão na altura da estação Triagem e um morador foi atingido no pé, dentro de casa. Ou seja, sendo o objetivo da decisão do STF preservar a vida de moradores durante a maior crise sanitária da história, houve violação da medida.

Essa semana, a favela do Jacarezinho vivenciou uma  das mais violentas da cidade, dirigida por uma organização criminosa sanguinária e que vinha – no local – se profissionalizando e capacitando para atrair cada vez mais jovens moradores para suas fileiras. A Polícia Civil, em longa investigação, detectou esta terrível iniciativa de difusão do modo de vida criminoso e mapeou, em detalhes, os responsáveis por ela, assim como por outros crimes graves, como assassinato e roubo.

Não é primeira vez que acontece esse tipo de intervenção. Em 2019, a Chacina do Fallet deixou 19 mortos e até hoje nada foi elucidado. É importante ressaltar que a investigação sobre a morte do adolescente João Pedro, morto aos 14 anos durante uma operação também da Polícia Civil, em parceria com a Polícia Federal, no ano passado, está parada. Esta morte fez com Ministério Público Federal exigisse o plano de operação da ação ―e pedisse a suspensão de operações não urgentes durante a pandemia. Depois dela, veio a decisão do STF.

Esse tipo de operação, genérica, “contra o crime organizado”, mostra que a ação das polícias é ineficaz tanto do ponto de vista da utopia de acabar com o crime quanto de não se preocupar sequer com os próprios quadros: um policial foi morto e outros dois feridos, hoje. Uma ação com base em inteligência pouparia a vida dos moradores, dos usuários do metrô e também dos policiais. Mas isso não é uma preocupação.

Estamos diante de uma crise civilizatória que, há muito, decretou o fracasso do nosso modelo de sociedade. Escolher entre a vida e a morte tornou-se um imperativo, ou o ciclo de violência continuará alimentando o tráfico, as milícias e aqueles que lucram com os corpos empilhados, ao passo em que uma parcela expressiva da população, não obstante a convivência forçada com a negação de direitos, engrossa a macabra estatística da negação da vida.

A ruína da política de guerra às drogas é notória há décadas. Essa situação  está longe de um fim.  Não há sinal de enfraquecimento do poder do tráfico. Assusta, no entanto, a banalidade da violência. A política contra sedicioso do Estado brasileiro segue a sua lógica de mando sobre a vida e a morte da população pobre e negra das favelas, de tempos em tempos revela sua face genocida e o caráter fascista de suas ações. É de conhecimento público e notório a alta letalidade policial e a ineficácia de décadas de ações policiais midiáticas e espetaculares, sempre recheadas de requintes de crueldade e covardia.

 

Dentro do contexto histórico e político em que ocorrem, identificando os atores e motivações e, principalmente, as ações políticas deflagradas em reação às sucessivas mortes dos jovens negros e pobres nas periferias brasileiras, caso dos diversos Movimentos de Familiares de Vítimas. Para tanto, partimos da ideia de que as chacinas são uma expressão radical da violência letal como recurso político de controle social, ou seja, os assassinatos múltiplos são comumente utilizados como uma demonstração pública de poder, utilizado tanto por organizações criminosas como por agentes públicos, principalmente em contexto de instabilidade institucional ou de disputa por territórios e mercados.

O sentido da morte das pessoas revela muito sobre uma comunidade política e moral. Toda morte introduz uma perturbação à ordem cotidiana. Não é apenas o evento em si, mas o que ele representa do ponto de vista político e psicossocial para uma sociedade que vivência a experiência do homicídio.  A naturalização das mortes nos casos de chacina, mesmo quando várias pessoas morrem em um mesmo lugar, revela uma característica importante da estruturação política e moral da sociedade. Existe a certeza de que os pobres que vivem em lugares de ação de coletivos criminais podem morrer e os discursos demonstram que, na prática, isto não causa uma ruptura significativa com as expectativas sociais que constituem o cotidiano dessa sociedade.

"Talvez, se as autoridades públicas seguissem os rastros de pólvora ou dos armamentos, certamente encontrariam seus reais mentores em algum bairro nobre, quem sabe tomando um espumante pro-secco na Barra ou Miami; talvez se seguissem o rastro dos 37 quilos de cocaína apreendidas em bagagens no avião da comitiva presidencial no ano de 2019 em Sevilha, encontrassem o fio da meada, a marca chancelada da elite que fomenta o tráfico de armas, drogas e a barbárie das chacinas de gente sem rostos e nomes das favelas".  

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